Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Rui Reininho & Silvia Machete -" Gente Aberta "

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A seita dos trinta

O manuscrito original pode ser consultado na Biblioteca de Leiden; está em latim mas helenismos vários justificam a conjectura de o terem traduzido do grego. Segundo Leisegang, data do século quarto da era cristã. De passagem Gibbon menciona-o numa das notas do capítulo décimo quinto do seu "Decline and Fall". Reza o autor anónimo:

...« A Seita nunca foi numerosa e já são raros os seus prosélitos. Dizimados pelo ferro e pelo fogo, dormem na berma dos caminhos ou nas ruínas que a guerra perdoou, já que vedado lhes é construir habitações. Costumam andar do conhecimento geral; proponho-me agora sua doutrina e s seus hábitos. Discuti com os mestres da Seita, demoradamente, e não consegui convertê-los à Fé do Senhor.

«Atraiu logo a minha atenção a diversidade dos pareceres que têm sobre os mortos. Julgam os mas incultos que os espíritos de quem deixou esta vida se encarregam de os enterrar; outros, que à letra se não agarram, que a repreensão de Jesus: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos condena a vaidade pomposa dos nossos ritos fúnebres.

«O conselho de vender o que temos, e dá-lo aos pobres, é rigorosamente acatado por todos; os primeiros beneficiados dão-no a outros, e estes a outros. Assim ficam suficientemente explicadas a inteligência e a nudez que os avizinha, também, do estado paradisíaco. Repetem com fervor estas palavras: Olhai os corvos, que não semeiam nem ceifam; que não têm celeiro nem guarda de celeiro, e Deus alimenta-os. Quanto mais valiosos não sois do que as aves? O texto prescreve a poupança: Se Deus veste a erva que existe hoje no campo, e amanhã é lançada ao forno, quanto mais vós, homens de pouca fé? Não procureis o que comer, o que beber; nem viveis em ansiosa perplexidade.

«O preceito: Quem olha uma mulher, para cobiçá-la, já com ela praticou o adultério no seu coração é um iniludível conselho de pureza. Muitos sectários, porém, afirmam que não existe homem debaixo dos céus isento desse olhar de cobiça deitado a uma mulher, e já todos praticámos, portanto, o adultério.

Como o desejo não é menos culposo do que o acto, podem os justos praticar sem risco o exercício da mais desbragada luxúria.

«A Seita evita as igrejas; os seus doutores pregam ao ar livre, de cima de um outeiro ou de um muro, às vezes de um barco em terra.

«O nome da Seita suscitou bem acesas conjecturas. Pretende uma delas que traduz o número a que os fiéis se reduziram, coisa irrisória mas profética pois a Seita, dada a perversa doutrina que perfilha, está predestinada a morrer. Outra fá-lo derivar da altura da arca, que era de trinta côvados;outra, falseando a astronomia, do número de noites que é a soma de cada mês lunar; outra do baptismo do Salvador; outra dos anos de Adão quando surgiu do pó vermelho. Todas são igualmente falsas. E não menos mentiroso é o catálogo de trinta divindades ou tronos, um deles Abraxas representando com cabeça de galo, braços e torso de homem, com um remate de serpente enroscada.

«Sei a Verdade mas não posso discorrer sobre a Verdade. O inapreciável dom de transmiti-la não me foi concedido. Que outros, mais felizes do que eu, salvem os sectários pela palavra. Pela palavra ou pelo fogo. Mais vale sermos executados do que matar-nos. Por isso vou limitar-me à exposição desta abominável heresia.

«O Verbo fez-se carne para ser homem entre os homens que iriam entregá-lo à cruz, e ser por Ele redimidos. Nasceu do ventre de uma mulher do povo eleito, não só para pregar o amor como sofrer o martírio.

«Era preciso que as coisas fossem inesquecíveis. A morte de um ser humano pelo ferro ou pela cicuta não bastava para ferir a imaginação dos homens até ao fim dos dias.

O Senhor preparou os factos de uma forma patética. Assim se explicam a última ceia, as palavras de Jesus que pressagiam a entrega, o repetido sinal a um dos discípulos, a benção do pão e do vinho, o suor parecido com sangue, as espadas, o beijo que atraiçoa, o Piltos que lava as mãos, a flagelação, o escárnio, os espinhos, a púrpura e o ceptro de caniço, o vinagre com fel, a Cruz no alto de uma colina, a promessa ao bom ladrão, a terra que treme e as trevas.

«A misericórdia divina, à qual tantas graças devo, permitiu-me descobrir a razão autêntica e secreta do nome da Seita. Em Kerioth, onde é verosímil que ela tenha nascido, perdura um conventículo alcunhado dos Trinta Dinheiros. Foi este o primitivo nome, que nos dá a chave. Na tragédia da Cruz - com a devida reverência o escrevo - houve actores voluntários e involuntários, todos imprescindíveis, todos fatais. Foram involuntários os sacerdotes que entregaram os dinheiros de prata, involuntária foi a plebe que escolheu Barrabás, involuntário o procurador da Judeia, involuntários foram os romanos que levantaram a Cruz do Seu martírio e pregaram os cravos e jogaram aos dados. Voluntários só dois: o Redentor e Judas. Este rejeitou as trinta moedas, que eram preço da salvação das almas, e a seguir enforcou-se. Na altura tinha trinta e três anos como o Filho do Homem. A Seita venera-os por igual e absolve os outros.

«Não existe só um culpado; convicto ou não, ninguém há que não seja executor do plano que a Sabedoria traçou. Agora todos partilham a glória.

«A minha mão não resiste a escrever outra coisa abominável. Ao cumprir a idade assinalada, deixam os iniciados que escarneçam deles e os crucifiquem no alto de um monte para seguirem o exemplo dos seus mestres.

Esta criminosa violação do quinto mandamento deve ser reprimida com o rigor sempre exigido pelas leis humanas e divinas. Que as maldições do Firmamento, que o ódio dos anjos»...

Não se encontra o fim do manuscrito.

Conto de Jorge Luís Borges, incluído no livro "O Livro de Areia", Trd. Aníbal Fernandes, Ed. Livro B, Editorial Estampa

sábado, 27 de dezembro de 2008

Escolhas literárias de 2008(1)

" El placer de los paraísos perdidos ", escolha dos 10 melhores livros publicados em 2008, em Espanha. Segundo a selecção dos críticos e colaboradores da Babelia, suplemento cultural do "El País".

"C'est la vie" - Marc Lavoine

Projecto Clarice


Ver aqui blogue de Patrícia Lino.

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Em 33 rotações

" O disco chega ao fim. A agulha ergue-se e o braço regressa ao seu suporte. O empregado do bar aproxima-se do gira-discos para mudar o 33 rotações. Levanta com todo o cuidado o LP de vinil e guarda-o dentro da respectiva capa. Depois tira outro, examina a superfície à luz e coloca-o em cima do prato. Carrega no botão e a agulha desce sobre o disco. Ouve-se um leve arranhar, após o que «Sophisticated Lady» de Duke Ellington começa a tocar. Ouve-se um solo calmo de Harry Carney no clarinete baixo. O barman move-se com todo o vagar, fazendo com que o tempo no bar se escoe a um ritmo muito próprio.
Mari pergunta ao homem:
- Só põe a tocar discos de vinil?
- Não gosto de CD - responde ele.
- Porquê?
- São demasiado brilhantes.
Kaoru mete a sua colherada.
- Por acaso é algum corvo ou quê?
- Com o vinil, a chatice é ter de estar sempre a mudar o disco - diz Mari.
O barman ri-se.
- Repare, estamos a meio da noite. Não há comboios até de manhã. Qual é a pressa?


Excerto de " After Dark/Os passageiros da Noite ", de Haruki Murakami, Trd. Maria João Lourenço, Ed. Casa das Letras

Sophisticated Lady - Duke Ellington e Harry Carney no clarinete baixo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A menopausa

Fui chamado com urgência a casa dos veneráveis senhores de Ordeaz. A Menina Rosalía, a mais robusta e alta daquela casa, uma jovem com ar de comandante em vias de promoção, encontrava-se em pleno delírio de alegria, a dançar diante dos espelhos... E logo ela, que era tão formal!
Fui dar com ela, de facto, envergando um roupão solto e uma simples combinação, rindo à gargalhada, sentada num baloiço. Uma autêntica cena de pátio andaluz em dia de Verão, cuja origem só poderia residir nalgum acontecimento muitíssimo agradável.
- Estará louca? - perguntaram-me os pais, consternados. - Os médicos que a viram disseram que endoideceu de todo e que vai ser preciso interná-la...
- Nada disso - respondi-lhes eu -; os senhores devem é associar-se ao acontecimento que ela hoje festeja...
Coitada! Está hoje a despedir-se da vida passada, hoje que a sua vida genésica acabou... A natureza celebra a sua última festa, aquilo a que em Medicina se chama menopausa... Tragam doçarias, pastéis e umas garrafas de xerez...
É preciso embebedá-la e fazer que depois durma o longo e restaurador sono dos bêbados.

Capítulo de " O médico inverosímil ", de Ramón Gómez de la Serna, Trd. Júlio Henriques, Ed. Antígona

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Tom Waits -" Innocent When You Dream "

Ao vivo em Atlanta(2008)

"...ninguém conhece a dor de ninguém, os maus pensamentos de ninguém, e na azamboada cabeça do criminoso atropelam-se as orgulhosas desculpas, os tímidos e nervosos argumentos, é fácil transformar um homem normal e pachorrento num criminoso, basta colocar-lhe uma arma na mão e convencê-lo de que Deus está com ele e ele com os serenos desígnios de Deus, os crimes desenham-se com muita nitidez na cabeça do criminoso, o mau é o testemunho do cauteloso espião de Deus,..."


Excerto de " Madeira de Buxo ", de Camilo José Cela, Trd. Luís Filipe Sarmento

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Debate sobre sexo oral

Três tristes tigres

«É objectivamente quem melhores condições tem para defrontar António Costa», afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no final de um debate, em Rio Maior sobre a qualidade da democracia, com o ex-presidente Jorge Sampaio e moderado pelo ex-líder do PSD Marques Mendes, organizado pela distrital de Santarém dos sociais-democratas. O ex-presidente do PSD disse que o resultado de Santana, seu antigo adversário em vários congressos do Partido, dependerá de uma eventual coligação com o CDS-PP e de António Costa, o actual autarca, ter «uma lista forte à esquerda». Sol Online, 17/12/2008

Triste democracia portuguesa. Vejam a qualidade destes pensadores. Três profissionais da política. Nos últimos 30 anos foram poder e nada fizeram para dar qualidade à democracia.
E, a retórica é sempre a mesma. O texto acima transcrito, podia ter sido escrito em 1988 ou 1998 exactamente com as mesmas palavras e os mesmos protagonistas.
Falam do Pedro, político omnipresente, eterno descendente de Sá Carneiro(o nosso Kennedy). E, hoje falam bem. Em 2005, diziam cobras e lagartos do homem.
Em resumo:
Estes três ilustres crâneos - que não dormem de tanto pensar - concluíram que para a qualidade da democracia o melhor é dar ao Pedro a Câmara de Lisboa.


Três Tristes Tigres - " O mundo a meus pés "

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A culpa é da pirâmide? ou será da ganância?

«¿Cómo funcionaba el fraude de Madoff?. Su 'tapadera' era la sociedad que fundó en 1960 con el nombre de Madoff Investment Securities y que servía para captar las inversiones de personas adineradas. Oficialmente, Madoff invertía ese capital en acciones de grandes compañías y opciones de compra de esos títulos. Ofrecía altas rentabilidades -entre 10-12%-, que nunca se veían afectadas por los vaivenes de los mercados, algo muy inusual. La realidad es que invertía sólo una pequeña parte de esos fondos y la mayor se utilizaba para pagar a los antiguos clientes.»
El Mundo Online, 16/12/2008

O mal é uma banalidade

Fotografia da Life(1917)

" Não era daqueles que mal chegavam a todo aquele caos de violência ficavam impacientes por se lançarem ao barulho, daqueles que não regulavam muito bem ou eram muito agressivos por natureza e a quem bastava a mais pequena oportunidade para ficarem loucos violentos. Havia um tipo na sua unidade, um indivíduo a quem chamavam Calmeirão, que um ou dois dias depois de chegar abrira o ventre de uma mulher grávida. Farley só começara a tornar-se bom naquilo no fim da sua primeira vez. Mas na segunda, naquela unidade onde havia uma quantidade de outros tipos que também tinham voltado e não o haviam feito apenas para matar tempo ou ganhar umas massas extra, naquela segunda vez na companhia de tipos sempre ansiosos para serem postos na frente, tipos chalados que tinham consciência do horror mas sabiam que era o melhor momento das suas vidas, tornou-se também chalado, igual a eles. Debaixo de fogo, a fugir do perigo, com armas a disparar por todos os lados, é impossível não sentir medo, mas um tipo pode passar-se e ficar eufórico e temerário, e por isso, na segunda vez, ele passou-se. Na segunda vez apoderou-se dele o frenesi da fúria e espalhou o caos e a destruição. Estar ali à beira do abismo, a todo o gás, ébrio de excitação e medo: não há na vida civil nada que se possa comparar a isso. "
Excerto de " A Mancha humana ", de Philip Roth, Trd. Fernanda Pinto Rodrigues
" Uma multidão de soldados alinhados transforma-se em mancha; um erva preta com capacete por cima; uma erva com a cabeça dilatada, mas estúpida, como caíste no erro de querer defender o abstracto?
Uma prostituta despiu-se à frente do soldado mantendo as meias pretas.
- Tens cancro?
A prostituta encontra-se nua, nua em frente de um soldado que ainda não desapertou sequer um botão, um soldado que tem uma arma e força; e tem dinheiro e ela não, e tem o poder de ainda permanecer vestido, de não parecer ridículo, porque a prostituta é ridícula, não é bonita nem feia, é ridícula, meias pretas de sedutora, a anca para fora à sedutora, mas é ridícula, gorda em sítios ridículos, posições exageradas.
E foi ela que perguntou:
- Tens cancro?
O soldado não tem cabelo, mas tem uma arma. Quando tirou o capacete mostrou que não tinha cabelo, e quando retirou a arma do cinto mostrou que tinha arma.
- Pareces doente com essa careca."
Excerto de " As ervas daninhas ", de Gonçalo M.Tavares

Intervalo publicitário

Dealema -" Não desistimos "

A lição grega

«¿Cuál es el telón de fondo que ha propiciado este estallido de violencia? En primer lugar, y antes que nada, la existencia de una clase política totalmente distanciada del ciudadano. El Gobierno -pasivo, hermético- ha generado un clientelismo que no ha hecho sino agrandar la fractura social entre élites y clase dirigente y el pueblo, en el que hay que incluir a una gran clase media y a la pequeña burguesía. Ha sido, además, un Gobierno de corrupciones y escándalos económicos continuos, como el que se conoció hace poco entre un miembro del Gobierno y su familia y el monasterio de Vatopedi, en el intocable Agion Oros -Monte Athos-, que ha producido secuelas importantes en la omnipresente Iglesia ortodoxa griega, inmensa fuente de votos del partido en el Gobierno. En el otro lado lo que existe es una oposición endeble y posibilista, poco ambiciosa, cansada y desconfiada, con una izquierda comunista dividida internamente, en particular en estos días en que las distintas facciones se han acusado mutuamente de provocar las manipulaciones violentas de los encapuchados (los koukouloforoi), que han dirigido las acciones destructoras. Una clase política, en definitiva, descreída e incapaz de salvaguardar el orden público mediante el buen funcionamiento de las instituciones del Estado.


En segundo lugar, unas reformas educativas polémicas, en las que no han participado ni han sido aceptadas por maestros, padres y alumnos. Lo que existe en Grecia es un sistema universitario público inamovible e incapaz de garantizar ni el más mínimo acceso profesional a sus egresados, enfrentado a la enseñanza privada -que ahora se pretende formalmente autorizar pero que lleva ya tiempo muy presente en la sociedad griega, sobre todo la relacionada con Estados Unidos-. Unos estudiantes masificados en una universidad pública con aún menos medios que la nuestra, y en la que también se eternizan los jóvenes sin futuro alguno, obligados a permanecer en la casa paterna por la carestía de la vida y de la vivienda hasta ser treintañeros, cuando podrán pasar a una vida profesional precaria (ni siquiera como mileuristas, en todo caso como ochocientoseuristas).»Blanca Vilà, El País Online, 16/12/2008

Justice -" Stress "

LCD Soundsystem - "On repeat"

Yellow Magic Orchestra - "Camouflage"

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Manifestação em Tóquio contra as extinções de postos de trabalho nas empresas japonesas. Cerca de 200 manifestantes gritam contra os líderes empresariais que acusam de sacrificar os seus empregos para proteger os seus lucros. © AP, Sol Online, 16/12/2008

A crise e os milhões*

*«1. A crise aprofunda-se e generaliza-se. Os Estados desviam milhões, que vêm directamente dos bolsos dos contribuintes, para evitar as falências de bancos mal geridos ou que se meteram em escandalosas negociatas. Será necessário. Mas o povo pergunta: e as roubalheiras, ficam impunes? E o sistema que as permitiu - os paraísos fiscais -, os chorudos vencimentos (multimilionários) de gestores incompetentes e pouco sérios, ficam na mesma? E os auditores que fecharam os olhos - ou não os abriram suficientemente - e os dirigentes políticos que se acomodaram ao sistema, não agiram e nem sequer alertaram, continuam nos mesmos lugares cimeiros, limitando-se a pedir, agora, mais intervenções do Estado, com a mesma desfaçatez com que antes reclamavam "menos Estado" e mais e mais privatizações?» Mário Soares, DN, 16/12/2008.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

The Beatles - "Tomorrow Never Knows"

The Beatles -" A Day in the Life "

Os vivos

Claro, a raiva domestica-se como os cães. Mas, certas vezes, alguém cede e atira uma bala a dois metros na cara do outro, em pleno café.
Uma tese; esta.
«Um homem só pode actuar porque pode ignorar, e contentar-se com uma parte do conhecimento.» (E sobre o conhecimento escreve que é o capricho particular do homem: ultrapassa o necessário.)

Tens dois metros para saltar e saltas quatro, mas esses dois a mais nada contam senão para o orgulho: não recebes mais pontos nem menos doenças: foi exibida uma habilidade, e é tudo.

As oportunidades de suícidio perdem-se como as moedas. Mas se fazem muito barulho a cair no chão, voltas atrás, baixas o corpo e recuperas essa moeda: guarda-a bem, um dia poderás ter que a utilizar.

A mesma moeda que não sai da posse da mesma pessoa. É imaginar um acaso destes, quinze anos com a mesma moeda: foi um acaso, nada de intencional.

Atirou-se da ponte. Parou o carro. Andou uns metros sobre a ponte. E depois atirou-se. No funeral, mulheres choravam e homens que choravam sem esconder a cara: nada assusta mais que uma coisa vertical e séria que chora, aceitação de tudo: eu aceito, ele aceita, todos aceitam.

E, claro, a ponte: o suicídio. É que por vezes é a raiva que domestica o corpo. Nem sempre os vivos são fortes como alguns vivos são fortes.


Conto de Gonçalo M.Tavares, incluído no livro " água, cão,cavalo, cabeça ", Ed. Caminho

U2 -" Until the End of the World "

Samuel Barber - " Agnus Dei "

Accentus Chamber Choir

Outro desastre

Uma vez senti algo semelhante. Tinha que pagar a um oculista. Levava o cheque já preenchido. Cheguei ao sítio e disseram-me: Morreu ontem, num desastre de carro. Tinha o cheque em nome dele, e agora estava morto. O primeiro pensamento foi: se eu tenho um cheque para lhe pagar, ele não pode estar morto. O segundo pensamento, passado uns segundos, foi: como é que a tua cabeça foi capaz de ter aquele 2º pensamento? O quarto foi: toda a gente pensa todas as hipóteses numa situação, mesmo as hipóteses mais nojentas.

Mas o senhor tinha um pai ainda vivo, e eu rasguei o cheque antigo e escrevi o nome do pai no cheque - era quase o mesmo, só mudava a primeira palavra. Estávamos os dois num restaurante de comidas rápidas, de pé. E o pai do meu oculista, que morrera num desastre de automóvel dois dias antes, estava vestido de preto e estava triste, falava pouco, e tinha os olhos baixos. Mas recebeu o cheque.


Conto de Gonçalo M. Tavares, incluído no livro " água, cão, cavalo, cabeça ", Ed.Caminho

Um País de papagaios

Entrevista de Medina Carreira a José Gomes Ferreira, 10/12/2008,Sic Notícias

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Bauhaus -" All We Ever Wanted "

A moeda

Não há legislação para a música como não há legislação para a doença. A natureza é ilegal e bruta e nós não somos natureza enquanto estamos vivos e ricos, com o corpo esquecido. Mas quando somos velhos somos natureza e quando estamos doentes somos natureza, e quando morremos somos ainda natureza.

E não ter dinheiro é isso: é ser mais natureza, estar mais dependente da falta de legislação que há na música e nos bichos: as coisas escuras amedrontam, tornam-te cobarde, escondes os teus filhos atrás do teu corpo, mas sabes que a bala virá por trás.

Dizem que Lúcifer caiu durante nove dias, mas tal viagem não amedronta ninguém. Não foi uma queda, foi um passeio. Porque nove dias são nove dias, por isso o diabo caiu tão bem, com a roupa direita, engravatado, sem uma dorzinha. Percorre as ruas e parece aos outros o corpo de quem subiu até aqui, e não de quem desceu tanto: nove dias, dizem, foram os dias que demorou Lúcifer a cair.

A maldade não se distingue; como as meninas gémeas que vão para o colégio de mãos dadas, com a vestimenta azul, igual. A maldade não tem uma marca na testa como as vacas que têm doenças e foram marcadas na testa pelo dono.
- Esta é para ser morta, não é para ser vendida.
A doença tem marcas, a pobreza tem marcas, mas a maldade não tem marcas. Os feios têm marcas.

Um vagabundo pedia esmola num semáforo. Passou de um carro para outro, depois para outro. Um deles abriu o vidro da sua porta só uns centímetros e deixou cair uma moeda valiosa ao chão, depois arrancou porque o semáforo estava verde. O pedinte baixou-se para apanhar a moeda e veio um carro que só viu o semáforo verde e atropelou-o. Apanhou-o em cheio, partiu-lhe os ossos da anca.
Já numa maca, em cima do passeio, o dedo esticado do vagabundo não era compreendido por ninguém porque ele não conseguia falar.
- Alguém conhece este homem? Sabem se já não falava antes?
Ele apontava para a moeda no meio da estrada, mas ninguém percebia. E foi levado.

( A química não estuda aquilo que muda na matéria quando a matéria é o nosso corpo e alguém o abraça no momento exacto.)

Três meses depois, quando saiu do hospital, ele coxeava e não falava. Ninguém sabe se foi do acidente ou se antes já ele era mudo e com olhos de louco, porque ninguém o conhecia. (Ninguém podia confirmar se ele já era louco antes. Mas agora era louco.) Nesse mesmo dia ele foi ao sítio do acidente e no meio da estrada perigosa ainda estava a moeda. Meteu-a no bolso. um carro aproximou-se e ele correu para o passeio. Ficou em segurança e acariciou a moeda com os dedos.
Do carro, que novamente quase o atropelara, uma mulher chamou-lhe maluco. Mas ele, o louco, estava contente.


Conto de Gonçalo M.Tavares, incluído no livro "água, cão, cavalo, cabeça", Ed. Caminho

Hanns Eisler -" Elegie "(1939), poema de Bertolt Brecht

Carla Bruni - " Fernande "

Carla Bruni, canta ao vivo " Fernande ", de Georges Brassens.

Ípsilon Online


Plagiando o blogue Da Literatura, ver aqui site da Ípsilon.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Kiss

Marilyn Monroe canta "Kiss", no filme "Niagara"(1953)

Luz sensual

Sensualidade italiana

Oscar Niemeyer: Arquitectura sensual



Ver aqui " Cien años de amor a las curvas ", El País Online

High Places

« Os High Places, ou seja Mary Pearson e Rob Barber, não conhecem os Young Marble Giants, mas as suas cançonetas perseguem o mesmo desígnio, fazendo muito com pouco, ou seja, artesanato em miniatura, criado a partir de polirritmias exóticas, sons naturais e micro-percussões, mistura de elementos orgânicos e produção electrónica, transportados numa pequena caixa de música. "Nunca quisemos ser uma banda rock com guitarra, baixo e bateria, fazendo música numa estrutura reconhecível", explica Mary. "Nunca nos quisemos limitar. Não significa que queiramos fazer uma cacofonia qualquer, mas queremos conciliar melodias familiares com sons misteriosos, conduzindo a nossa música para um lugar tranquilo e hipnótico." » Vítor Belanciano, Ípsilon, 05/12/2008

High Places - "Shared Islands"(Ao vivo)

Ver e ouvir High Places no Myspace, aqui.

Young Marble Giants - " Credit in the straight world "

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Pink Floyd -" Pigs "

A carne desapareceu???!!!

« O Ministro da Agricultura, Jaime Silva, admitiu hoje que as 30 toneladas de carne importadas da Irlanda, em Outubro e Novembro, podem ter já desaparecido do mercado, embora as autoridades sanitárias estejam a tentar identificar o seu paradeiro.

Em declarações aos jornalistas, na Figueira da Foz, o ministro sustentou, no entanto, o “risco mínimo” para a saúde, argumentando com a pouca quantidade de carne importada da Irlanda, “insignificante” face ao consumo português.“Trinta toneladas em 440 mil toneladas de consumo que temos em Portugal é 0,006 por cento, ou seja, o risco é mínimo.

O risco que essas 30 toneladas tenham provavelmente já desaparecido no mercado, isso é real”, declarou Jaime Silva.O governante explicou que depois do Ministério da Agricultura ter sido notificado “esta manhã” da existência em Portugal de 30 toneladas de carne importadas da Irlanda.Uma brigada da Direcção-Geral de Veterinária dirigiu-se à empresa importadora, situada em Vila do Conde, “para localizarmos em definitivo onde estão essas 30 toneladas”.» Público Online,08/12/2008


A carne desapareceu provávelmente no meu organismo. Almoço todos os dias, a poucos quilómetros de Vila de Conde, e, estranhei que nas últimas semanas os pratos do dia fossem essencialmente à base de porco. Ainda hoje comi três costelinhas duvidosas.

E, o ministro diz que a carne desapareceu. Não: foi comida, tragada, e transformada pelo nosso sistema digestivo.
" Nós, nos afortunados países do Ocidente, agora consideramos a nossa bolha de liberdade e riqueza, velha de 200 anos, como sendo normal e inevitável; tem sido chamada de o «fim da História», tanto no sentido temporal como taleológico. Contudo, esta nova ordem é uma anomalia; o oposto do que geralmente acontece quando as civilizações crescem. A nossa era foi financiada pela tomada de metade de um planeta, ampliada com a tomada da maior parte da outra metade, e sustentada pelo desgaste de novas formas de capital natural, especialmente combustível fóssil. No Novo Mundo, o Ocidente ganhou o maior prémio de sempre. E não haverá outro igual - a não ser que encontremos os marcianos civilizados de H. G. Wells, completos com a vulnerabilidade aos nossos germes que os derrotou na " Guerra dos Mundos "."


Excerto de " Breve História do Progresso ", de Ronald Wright, Trd. José Couto Nogueira, Ed. D.Quixote

domingo, 7 de dezembro de 2008

Adam & The Ants

Stand and Deliver


Prince Charming

Durutti Column - "Never Know"

Contrastes outonais




" Música a perder de ouvido ", Íntima Fracção, Expresso Online, 12/11/2008

Reflectir sobre o poder(2)

« "¡Uh, ah, Chávez no se va! Si Dios quiere y me da salud, estoy listo para seguir con ustedes. Lo que Dios diga y lo que el pueblo mande", ha repetido insistentemente el gobernante en la celebración de sus diez años de mandato. » El País Online,07/12/2008


Chavez interrumpe discurso del ministro de comunicacion(13/02/2008)

Reflectir sobre o poder(1)

Triumph des Willens (Triumph of the Will), documentário de Leni Riefenstahl .

El mayor asesino de masas*


*«El hombre mide 1,74 metros; su mirada es acuosa; la mandíbula, indefinida; el apretón de manos, blando. Creía que el universo se originó por una mutación de hielo, se entusiasmó con la radiestesia y quiso sustituir el cristianismo por una especie de germanismo. En tiempos normales, la vida del ingeniero agrónomo Heinrich Himmler habría transcurrido al margen de la sociedad burguesa. Pero el muniqués, nacido en 1900, vivió en los primeros 45 años del siglo XX, una época de extremos. Así, este sujeto estrafalario llegó a convertirse en "jefe supremo de las SS"; el hombre más temido de Europa, el ejecutor de los planes de Hitler. "¿Es judío?", preguntó Himmler en 1941 en una visita al frente oriental a un prisionero ruso y rubio. "Sí". "¿Hijo de padre y madre judíos?". "Sí", respondió el pobre hombre. "¿Tiene algún antepasado no judío?". "No". "Pues no puedo hacer nada por usted". Fue asesinado de un tiro. Así era Heinrich Himmler. » El País Semanal, 07/12/2008

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sonhos...


" O material psíquico dos pensamentos do sonho habitualmente inclui recordações de experiência marcantes - não raras vezes datando dos primeiros anos da infância - que são assim regra geral apercebidas como situações com cariz visual. Sempre que surgir a oportunidade, essa porção dos pensamentos oníricos exerce uma influência determinante sobre a forma que toma o conteúdo do sonho; como que poderíamos dizer que constitui um núcleo de cristalização que atrai a si o material dos próprios pensamentos oníricos, afectando assim a distribuição destes últimos. A situação num sonho muitas vezes mais não é que a repetição modificada, complicada por interpolações, de uma importante experiência deste género; por outro lado, é raro aparecerem nos sonhos repetições fiéis e exactas de cenas reais."



Pintura de Tàpies; excerto de " O significado dos sonhos ", de Sigmund Freud, Trd. Inês Busse; música" Winter's Love ", dos Animal Collective

Tàpies, la genialidad de un joven octogenario*


*«Antoni Tàpies, considerado uno de los artistas más importantes de la segunda mitad del siglo XX, cumple 85 años el próximo día 13 de diciembre. Para conmemorar el aniversario de uno de los españoles más prestigiosos y reconocidos a nivel internacional, la Galería Soledad Lorenzo de Madrid (C/ Orfila, 5) exhibe hasta el 17 de enero una selección de las obras más recientes del creador catalán (en la imagen, 'Os').
El humor, la vitalidad y el espíritu joven y potente de Tapies quedan reflejados en una serie de piezas realizadas sobre maderas y telas de diferentes formatos, y en los que se da cabida a tonos ocres, grises, negros o rojos.
Según afirma José Marín-Medina en el catálogo de la exposición, "volviendo siempre a las fuentes de la materia, la práctica del arte de Tapies avanza irresistible, evitando por una parte la tiranía de la forma y superando, a otro respecto, el viejo debate entre materia y espíritu".»
Recorra la exposición
(Fotos: Galería Soledad Lorenzo) El Mundo Online, 04/12/2008

Em escuta: " Solid Air " - John Martyn(1973)



Solid Air

Don't Want To Know

Dreams By The Sea

Ver aqui site de John Martyn.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

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The Smiths -" The Boy With The Thorn In His Side "

" Joachim enterrara o rosto nas mãos. Sim, o pai tinha-o estigmatizado; acontecera agora e sentia-se revoltado. O pastor aproximara-se dele e ele ouviu, distantes, consolações banais: sim também nisto o pai parecia ter razão; aquele servidor da Igreja desempenhava bastante mal os deveres do seu ministério, devia saber que é a própria voz de Deus que fala pela boca de um pai e por ela anuncia a sua provação; por isso seu pai era agora demente: ninguém é impunemente porta-voz de Deus. O pastor não passava de um homem comum; se fosse, realmente, um instrumento de Deus na terra, também ele teria de delirar. Mas Deus indicou o caminho da Graça sem a mediação do padre; contra isso não nos podíamos revoltar, era preciso conquistar a Graça na solidão e na dor. "

Excerto de " Os Sonâmbulos "(Volume 1), de Hermann Broch, Trd. António Ferreira Marques, Ed. 70



The Smiths -" Please, please, please, let me get what i want "

Dorothy Collins and Raymond Scott



Lightworks

Imagem retirada deste blogue.

The Divine Comedy -" If "

La magia, los ritos y los misterios cerebrales de la historia*


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Ó Fátima: Ai Portugal, Portugal

BPN


Joe Berardo e BCP


Jorge Palma - "Portugal, Portugal"(ao vivo no metro)

Rui Reininho & Silvia Machete -" Bem Bom "

Gondarém

Vim morrer a Gondarém
Pátria de contrabandistas.
A farda dos bandoleiros
Não consinto que ma vistas.


Numa banda a Espanha morta
Noutra Portugal sombrio
Entre ambos galopa um rio
Que não pára à minha porta.
E grito, grito: Acudi-me.
Ganhei dor. Busquei prazer.
E sinto que vou morrer
Na própria pátria do crime.


Vou morrer a Gondarém
Pátria de contrabandistas
A farda dos bandoleiros
Não consinto que ma vistas.


Por mor de aprender o vira
Fui traído. Mas por fim,
Sei hoje, que era a mentira
Que então chamava por mim.
Nada haverá que me acoite
Meu amor, meu inimigo,
E aceito das mãos da noite
A memória por castigo.


Vim morrer a Gondarém
Pátria de contrabandistas
A farda dos bandoleiros
Não consinto que ma vistas.

Poema de Pedro Homem de Mello, cantado por Amália, e incluído em " os poetas de amália ", selecção e introdução de valter hugo mãe,edições quasi(não chegou a ser editado)

Elvis Costello - "Watching the Detectives"

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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