Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Estúpido rapaz

« " Posso acariciar novamente sua clavícula? "
" Sim. "
Winner tira a blusa de Clotilde. Depois pega-a no colo e deita-a na cama. Afaga-lhe os ossos da omoplata e do tórax, onde se firmam seios pequenos e empinados; apalpa-lhe as costelas conspícuas. O corpo de Clotilde às vezes lembra o de um lagarto, se um lagarto tivesse a pele tão fina.
" Levanta a cabeça ", diz Winner depois de desnudar Clotilde. Com a língua sente os músculos abdominais da mulher, retesados sob a pele. Afaga com a mão a musculatura ondulada desse ventre que lhe parece, excitantemente, uma tábua de lavar roupa.
" Beija a minha boca ", ela diz.
" Mostre-me sua língua. "
Deitada, porém com a cabeça e os ombros erguidos, definindo ossos e músculos do corpo, Clotilde, cada vez mais um lagarto, salienta por entre seus pálidos lábios uma língua fininha, veloz e escura, comprida, que Winner consegue prender em sua boca e sorver, antes de começar a lamber meticulosamente as costelas da mulher. E, virando-a de costas, também lambe o seu cóccix; e, revirando-a, explora com a língua os joelhos, os cotovelos, e o astrálogo e o escafóide do pé direito de Clotilde.
Os movimentos imprimidos por Winner ao corpo de Clotilde deixam-na parcialmente caída ao chão, apoiada sobre a cabeça. Winner abre, então, as pernas magras de Clotilde e olha a fenda abstrusa de congestão e sombra que corta seu corpo. com as cabeças no chão e as pernas para o alto sobre a cama, juntam-se, em sua volúpia, como dois morcegos.»


Excerto do conto " Romance Negro ", de Rubem Fonseca, incluído no livro " Romance Negro e outras histórias ", Ed. Campo das Letras, 1994

Estudando o Pagode









Vibração da carne


" Estudando o Pagode ", por Tom Zé.
« Pensa nos teus filhos, disse o papá.
« Pensar nos meus filhos?, disse Ellen. Que outra coisa faço eu senão pensar? Que outra coisa faço eu nas noites que passo em claro senão pensar nos meus filhos? Nem o papá disse, Vem lá para casa, nem disse a Ellen, Volto para casa. Isto passou-se antes de ser moda reparar os nossos erros voltando as costas e fugindo. Eram só as duas vozes murmuradas além da porta cega, que pelo tom bem poderiam estar comentando a página dum magazine; e eu, uma criança, colada àquela porta e muito quieta como se quisesse confundir-me com a madeira escura e assim me tornar invisível, feita camaleão, ouvindo a alma, a presença viva dessa casa, pois alguma coisa passara da vida de Ellen e do seu respirar, e do dele também, para a casa que respirava num som neutro e longo de vitória e desespero, de triunfo e de terror.»



Excerto de " Absalão, absalão! ", de William Faulkner, Trd. Maria Jorge de Freitas, Ed. Planeta, 1999

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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