Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
" Pedro Páramo" - Juan Rulfo
" Pedro Páramo ", de Juan Rulfo é um dos livros da minha vida. Ler aqui artigo de Margo Glantz, publicado no suplemento Babelia do jornal El Pais.
E, ler aqui análise de Paulo Baía.
Aqui, ler artigo do El País sobre exposição de fotografias de Juan Rulfo que inspiraram o mesmo na sua escrita.
Os ácaros
Jacques começara por sentir o corpo metido numa labareda e depois, aos poucos, mal passava o fugaz alívio da pele coçada até ao sangue, uma queimadura mais aguda, um enervamento de desatar aos gritos, uma comichosa dor de enlouquecer!
É dos ácaros - disse a tia Norine a rir.
- Só apareceram ontem. Vê só! - Baixou a cabeça e afastou duas borrefas no pescoço que encaixavam entre elas um grão de milho vermelho enfiado na pele.
- Isto não vale nada, não vale mais do que uma pulga! - continuou o tio. - Hão-de encontrar-se por aí até chover.
Jacques invejou o couro batido daquela gente que não sofria, enquanto lhe dava a ele para ranger dentes e espiolhar carnes.
Diabos levem o campo! - Afastou-se dos ceifeiros. Tinha de tirar a roupa para poder arranhar-se à vontade. A meio caminho do castelo não pôde aguentar mais. Despiu-se atrás de um maciço de árvores, quase a chorar com as dores que sentia. Arrancou bocados de epiderme e não houve coçadela, raspagem, beliscão ou esfregadela que lhe saciasse o corpo. Mal esfolava um lado nasciam noutro comichões intoleráveis que iam ardendo, uma de cada vez, e o absorviam, forçavam a dar unhadas em tudo quanto era sítio e a voltar às bolhas maduras que já sangravam."
Excerto de " O castelo do Homem ancorado ", de J.K.Huysmans, Trd. Aníbal Fernandes, Colecção Livros B, Editorial Estampa, P. 129
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Repensar Deus (1)
Os valores cristãos têm uma dimensão ética, e prática, que está para além da religião. O cristianismo contribuiu de forma decisiva para a compreensão da dignidade humana, que se traduziu na formulação dos direitos humanos, e na igualdade entre os homens, independentemente da religião, sexo, cultura. Tudo isso faz parte do mundo cristão e é partilhado também por aqueles que estão expostos a esses valores, mesmo que não haja uma crença explícita no Deus de Jesus. O mais importante é o amor entre os seres humanos, é fazer o bem, e fazê-lo de modo verdadeiro, e eficaz - não falo da pequena caridade, mas da transformação das estruturas sociais, políticas, económicas, de tal modo que todos os homens possam realizar a sua humanidade. Freud, que era ateu, escreveu um dia uma carta em que disse: « Eu procurei na minha vida ser bom e fazer o bem aos homens, mesmo quando eles foram maus para mim. Se me perguntam a razão disso, não sei responder.» Isto representa um sinal de abertura ao mistério, ao sentido último. É que há aqui um problema: o das vítimas inocentes.
Quem são?
Todos aqueles que foram vítimas da brutalidade humana, os que não puderam levar avante a sua realização humana, todas as vítimas de todas as guerras, todos os homens, mulheres e crianças sobre quem foi exercida brutalidade. Há uma escola filosófica, a Escola Crítica de Frankfurt ( Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jurgen Habermas - este último um dos maiores filósofos vivos ) que afirma que há uma dívida para com essas vítimas inocentes, e que pergunta: quem é que pode pagá-la, a essa dívida que a História tem para com os inocentes? E é aqui que surge um enorme clamor por justiça. Num dos últimos textos de Habermas( que á agnóstico), escrito depois do 11 de Setembro, ele fala daquilo que a razão não consegue dar: o perdão.
Porque o perdão é um milagre. »
Excerto de entrevista de Anselmo Borges a Sarah Adamopoulos, publicada na Notícias Magazine de 09/12/2007
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.
Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.
Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.
Herberto Helder
Cobra
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979
O Pátio Maldito
" A própria localização do Pátio Maldito era estranha, como se tivesse sido calculada para aumentar as torturas e os sofrimentos dos presos( frei Petar voltava muitas vezes a isto, tentando descrevê-lo). Do Pátio nada se vê da cidade, nem do porto, nem do arsenal abandonado lá em baixo na margem do estreito. Só há o céu, imenso e cruel na sua beleza e, ao longe, um canto verdejante da margem asiática, do outro lado do mar invisível, e o vértice do minarete de uma mesquita desconhecida ou da copa de um cipreste gigantesco, atrás do muro. Tudo indeterminado, anónimo e alheio. Assim, um estrangeiro tem a sensação constante de estar numa ilha diabólica, longe de tudo o que até então para si significava vida, e sem esperança de em breve tornar a reencontrá-la. Os presos de Constantinopla sofrem ainda um outro castigo, aquele de não ver nem sentir nada da sua cidade: estão lá, mas é como se estivessem a cem dias de viagem; e essa lonjura aparente atormenta-os como se fosse real. Por todas estas razões, o Pátio, rápida e insensivelmente, dobra um homem, subjuga-o de tal modo que acaba por se perder. Depressa se esquece de tudo o que aconteceu e pensa-se cada vez menos no que acontecerá; assim o passado e o futuro fundem-se num único presente, na terrível e insólita vida do Pátio Maldito. "
Excerto de " O pátio maldito ", de Ivo Andric, Trd. Lucia e Dejan Stankovic, Ed. Cavalo de Ferro,2003
domingo, 9 de dezembro de 2007
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