Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos


Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

detidos: hei-de partir quando as flores chegarem

à sua imagem. Este verão concentrado

em cada espelho. O próprio

movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios

dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias

internos.

Vou morrer assim, arfando

entre o mar fotográfico

e côncavo

e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas

o sangue que se agrava.

Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,

ígneo nessa criança

contemplada. Eu abandono estes jardins

ferozes, o génio

que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva

aos precipícios de agosto, e a mansidão

traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar

palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.

Cada dia é um abismo atómico.

E o leite faz-se tenro durante

os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro

que talha no calcário a rosa congenital.

A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.

O verão é de azulejo.

É em nós que se encurva o nervo do arco

contra a flecha. Deus ataca-me

na candura. Fica, fria,

esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança

dá a volta à noite, acesa completamente

pelas mãos.

Herberto Helder

Cobra

Poesia Toda

Assírio & Alvim

1979

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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