Já me aconteceu muitas vezes deixar um amigo ou um conhecido numa situação desastrosa, em termos de saúde ou de carreira. Mais tarde, perguntava-me a mim próprio, assustado, como teria acabado por resistir, o que lhe tinha acontecido. Mas, quando voltava a vê-lo, anos depois, percebia que estava bem, alegre, cheio de vitalidade, com uma nova actividade, por vezes até com uma nova mulher ou um novo marido.
E percebi que nunca podemos dizer que esta ou aquela pessoa está acabada, porque todos temos enormes capacidades que não aproveitamos e a vida oferece-nos sempre novas oportunidades que eram impensáveis a um determinado momento.
Mas talvez exista algo de mais profundo. Quando somos duramente derrotados ou enfrentamos uma doença mortal,
afastamo-nos da realidade presente,
viramo-nos para nós próprios, um pouco como se estivéssemos mortos. Depois, quando recuperamos, quando ficamos curados, é como se tivéssemos recebido uma segunda vida, e somos assolados por um desejo febril de fazer, de ter novas experiências.
Um amigo meu, já não muito novo, curado de um tumor anunciado como incurável, comprou um lindíssimo barco e vai passear com os amigos para o Mediterrâneo. Outro escreveu um livro que conheceu um inesperado êxito. Uma amiga minha tornou-se famosa a fazer publicidade, outra adoptou uma criança, uma terceira apenas aprendeu a desfrutar das coisas bonitas com que se depara: um banho no mar, o jardim, uma viagem, um baile. Além disso, quando falamos com ela,
sentimo-nos em paz.Por essa razão, nunca deveríamos dizer “já não”. Já não posso ter filhos, já não vou acabar o curso, já não estou na flor da idade, já não estou a trabalhar. Não faz sentido: é como dizer “já não há saldos”. Os saldos acabaram, mas existem outras possibilidades infinitas de compra. E nem sequer precisamos de perder tempo a
lamentarmo-nos por já não termos isto ou aquilo, ou ruminar sobre os nossos erros ou sobre o mal que os outros nos fizeram.
Erros todos cometemos e todos somos vítimas de maldades. Não se trata simplesmente de optimismo: faz as coisas que te agradam, que te estimulam, e esquece o resto. Não fales com quem te é antipático, com quem te aborrece, não vejas filmes que não te interessam, desliga o televisor quando ele te irritar. E se, pelo contrário, houver alguma coisa à qual dês realmente valor, luta por ela. Tanto estamos vivos com 90 anos como com 20. E luta sem medo, com prazer, com o gosto de o fazer, como se fosse uma competição de esqui, ou de ténis, ou uma maratona.
http//www.alberoni.it____Francesco
Alberoni, Sociólogo
* Artigo de opinião publicado no
Diário Económico