Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

domingo, 31 de maio de 2009

«Vera em tudo uma rapariga de bem. Boas maneiras, bem vestida e com uma cultura superior. Excepto que, sempre que só na presença de qualquer homem, logo se despia e exigia que o coitado, ou talvez não, a penetrasse urgentemente. A família, alarmada e em vergonha profunda pelo comportamento descabido dela, arranjou um casamento apressado para resolver a situação. Nada feito. Mesmo apaixonada pelo marido, continuava a oferecer-se em bandeja a todo e qualquer par de calças ou calções que lhe aparecesse pela frente. assim permaneceu a sra. V. até à sua morte, com a profícua idade de 73 anos. Imagem de decoro quando vigiada por terceiros, depravação sexual em pessoa sempre que a ocasião o permitia, em jeito de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Caso nrº 189 apresentado por Kraftt-Ebing, psiquiatra alemão do século XIX, a sra. V. surge como exemplo de ninfomania, doença imaginária que era diagnosticada em mulheres que não ficavam no seu cantinho sexualmente reprimido e revelavam ter desejos libidinosos próprios. Tal como os homens faziam porque assim se esperava. Ebing chega a descrever o que intitula "ninfomania aguda mortal", em que raparigas até entâo insuspeitas revelavam um súbito "desejo ilimitado de gratificação sexual", "delírios obscenos", "exigindo" o coito e terminando por morrer de "exaustão". Tadinhas.
É certo que as senhoras descritas por Ebing bem não estavam. Alguma coisa terá causado a morte das que se ficaram. Porém, tal não terá sido, poderei jurar, o excesso de desejo sexual. Uma infecção que lhes afectou os neurónios?
Uma intoxicação acidental? O que tiver sido, antes de acabar com elas, diluiu-lhes as inibições sociais, levando ao seu comportamento tão contrário às convenções da época.
Passado mais de um século, espera-se que já ninguém diagnostique ninfomania a mulheres que exigam o coito com frequência, porque elas andam por aí e recomendam-se! Mas outras etiquetas vieram continuar a tradição. Veja-se, por exemplo, como a promiscuidade, palavra feia, tanto foi usada durante a crise HIV. De súbito, os novos malcomportados eram esses tais, os promíscuos, que andariam por aí a ter sexo que nem o pacman do jogo de video. A "promiscuidade" foi incluída na lista dos comportamentos a evitar, tal como o sexo sem preservativo, quando na verdade, desde que se use a borrachinha maravilha, o número de parceiros não vai ser causa de infecção.
Escreveu Ebing: "Estas pobres mulheres disseminam o espírito da lascívia, desmoralizam o ambiente e tornam-se num perigo para rapazes e raparigas." Se então o moralismo era mais descarado, agora ele surge encapotado. E promiscuamente se continua assim a julgar o comportamento alheio. Que com a libertinagem dos outros sempre se pode muito mal.»


Fotografia de Brassaï e crónica de Nuno Nodin " A promiscuidade da ninfomania ", publicada na Pública de 31/05/2009

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