Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Sobre a vitória de Barack Obama


Foi uma extraordinária vitória. Só por isso, o dia será recordado. O novo Presidente dos Estados Unidos foi eleito num clima excepcional. Internamente, mas sobretudo internacionalmente.O mundo inteiro, ou quase, deposita nele enormes esperanças. Ilimitadas, mesmo. É talvez o Presidente americano eleito com maior expectativa favorável no mundo inteiro. Espera-se dele que resolva as questões do Iraque, do Irão, do Afeganistão e do Paquistão. Do terrorismo internacional. Do Próximo Oriente. De grande parte de África. Do comércio internacional. De defesa da Europa e do Atlântico. Das relações difíceis com a Rússia. De proliferação das armas atómicas. De controlo da degradação do ambiente. De regulação das actividades financeiras internacionais. De controlo da especulação capitalista. Do aparente declínio da América. E de problemas internos urgentes: a saúde pública, a pobreza, as relações raciais e a crise da educação.Certo é que ele não vai resolver nem uma grande parte deste cardápio assustador. O exagero de expectativas traz sempre um excesso de desilusões. O mais provável é que, dentro de meses, estas últimas comecem a exprimir-se. Mas a verdade é que as expectativas positivas podem ter algo de uma profecia que se realiza a si própria. Por isso foi bom que Obama tenha ganho. O clima geral, nos EUA e no mundo, é favorável à sua presidência e ao seu papel. É possível que a sua simples eleição, por causa deste clima, seja um trunfo para ir resolvendo alguns daqueles problemas. A eleição do seu rival e a persistência do fantasma de Bush teriam sido desastrosas. Prosseguir o deslizamento político, moral e financeiro nos abismos para que a Administração Bush empurrou a América teria sido catastrófico.Ser negro não lhe dá nenhuma vantagem política, intelectual ou moral. Mas o facto de o ser, pelo que significa para a sociedade americana, deu-lhe trunfos valiosos. E esse é um feito, não dele, mas dos Estados Unidos. Que outro país, da Europa, de África ou da Ásia será capaz de eleger presidente um membro de uma minoria étnica? Nesse facto reside talvez esta monumental coligação de simpatizantes através do mundo. Os que são minorias ou como tal são tratados, seja por razões religiosas, étnicas, sexuais ou nacionais, reconhecem-se facilmente nele. Muitos dos amigos da América vêem-se hoje ao lado dos europeus antiamericanos, que são multidão. Esquerda e direita, por esse mundo fora, preferem Obama. Estas coligações são pouco saudáveis. Mas permitem respirar, descomprimir e, espera-se, pensar. Assim como falar com todos. O que talvez seja a fundação de uma nova autoridade. Imprescindível por todas as razões e mais uma: a de poder contrariar o excesso de ilusões.
António Barreto, Público Online, 06/11/2008
Tradução do discurso de Barack Obama em Chicago, Público Online, 05/11/2008
«Há poucos minutos uma estação de rádio portuguesa quis saber qual seria a primeira medida de governo que eu proporia a Barack Obama no caso de ele ser, como tantos andamos a sonhar desde há um ano e meio, o novo presidente dos Estados Unidos. Fui rápido na resposta: desmontar a base militar de Guantánamo, mandar regressar os marines, deitar abaixo a vergonha que aquele campo de concentração (e de tortura, não esqueçamos) representa, virar a página e pedir desculpa a Cuba. E, de caminho, acabar com o bloqueio, esse garrote com o qual, inutilmente, se pretendeu vergar a vontade do povo cubano. Pode suceder, e oxalá que assim seja, que o resultado final desta eleição venha a investir a população norte-americana de uma nova dignidade e de um novo respeito, mas eu permito-me recordar aos falsos distraídos que lições da mais autêntica das dignidades, das quais Washington poderia ter aprendido, as andou a dar quotidianamente o povo cubano em quase cinquenta anos de patriótica resistência.
José Saramago, no blogue O Caderno de Saramago, 05/11/2008

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