« e cinco minutos depois descia as escadas para a rua no centro de uma chusma de militares maltrapilhos que os caixas aplaudiam, que os comunistas aplaudiam, que as empregadas da limpeza aplaudiam, que até a cabra da secretária, após um momentinho de hesitação, aplaudia mais forte do que os outros, de dedos tão carregados de ouro que ainda hoje estou para saber como lograva movê-los, cá fora os aplausos transformados em ameaças, um contínuo a pontapear-me o traseiro, um paquete a cuspir-me e eu de auscultador na orelha, incapaz de distinguir se era o pessoal do banco ou o delegado de Zurique quem me insultava, eu para o bocal enquanto me empurravam para uma furgoneta do Exército
- Perdão?
na cela de Caxias dei com os meus irmãos, os meus sobrinhos, os meus sócios, cada qual com o seu telefone em punho, a arrastar um pedaço de fio na ilusão de transferirem uma ninharia de dólares para Denver, para Paris, para Tóquio, para Barcelona, todos eles sem atacadores nem gravata a perguntarem à uma aos aparelhos mudos
- Perdão?»
Excerto de " O manual dos Inquisidores ", de António Lobo Antunes
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