Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

«- Se Clinton lhe tivesse ido ao cu, talvez ela tivesse calado a boca. Bill Clinton não é o homem que dizem ser. Se a tivesse virado de barriga para baixo no Salão Oval e lhe tivesse ido ao cu, nada disto teria acontecido.
- Bem, ele nunca a dominou. Jogou pelo seguro.
- Sabes, depois de chegar à Casa Branca o tipo deixou de dominar. Não podia. Também não dominou a Willey. Foi por isso que ela ficou fula com ele, Quando se tornou presidentes perdeu o seu talento arkansiano típico para dominar mulheres. Enquanto foi procurador-geral e governador de um pequeno estado obscuro, dominar era perfeito para ele.
- Sem dúvida. Basta pensar na Gennifer Flowers.
- O que acontece no Arkansas? Se um tipo cai quando ainda se encontra lá, não cai de muito alto.
- Exactamente. E calcula-se que tenha tara pelo cu. É uma tradição.
- Mas quando chega à Casa Branca, não pode dominar. E quando não pode dominar, Miss Willey vira-se contra ele, e Miss Monica vira-se contra ele. Teria garantido a lealdade dela se lhe fosse ao cu. O pacto devia ter sido esse. Isso tê-los-ia ligado. Mas não houve pacto.
- Bem, ela assustou-se. Sabes bem que esteve prestes a não dizer nada. Starr esmagou-o. Onze gajos na sala com ela naquele hotel, já imaginaste? A massacrá-la? Foi uma geraldina. Uma violação colectiva encenada por Starr naquele hotel.
- Isso é verdade. Mas ela já andava a falar com Linda Tripp.
- Ah, sim.
- Andava a falar com toda a gente. Pertence àquela cultura idiota do blá-blá-blá. A esta geração que se orgulha da sua superficialidade. A sinceridade é tudo. Sincera e vazia, totalmente vazia. A sinceridade que dispara em todas as direcções. A sinceridade que é pior que a falsidade e a inocência que é pior do que a corrupção. Toda a rapacidade oculta sob o manto da sinceridade. E do jargão. Aquele vocabulário maravilhoso de todos eles, e em que parecem acreditar, a respeito da «falta de mérito próprio», quando na realidade estão sempre convencidos de que têm direito a tudo. Chamam carinho ao descaramento e mascaram a desumanidade de perda de «auto-estima». Hitler também tinha falta de auto-estima. Esse era o problema dele. É uma farsa, o que esses miúdos armaram. A hiperdramatização das emoções mais insignificantes. Relação. A minha relação. Clarificar a minha relação. Quando abrem a boca apetece-me amarinhar pelas paredes. Toda a linguagem deles é um somatório da estupidez dos últimos quarenta anos. Conclusão. Eis um dos chavões. Os meus alunos não podem permanecer no lugar onde o pensamento deve ocorrer. Conclusão! Fixam-se na narrativa convencionalizada com o seu princípio, o seu meio e o seu fim. Qualquer experiência, por muito ambígua, intrincada ou misteriosa que seja, tem de se prestar a esse lugar-comum normalizante e convencionalizante de pivô de televisão. Chumbo qualquer miúdo que peça conclusão. Querem conclusão? Eu dou-lhes a conclusão.»


Excerto de " A mancha branca ", de Philip Roth, Trd. Fernanda Pinto Rodrigues

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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