Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

segunda-feira, 9 de março de 2009

"...Vi uma vez, numa rua deserta, enormes bocados de papel girando com uma velocidade louca, e não sentia nenhum vento porque estava porque estava protegido por uma casa. Perseguiam-se uns aos outros como se se quisessem exterminar. Pouco depois pareciam ter acalmado, mas logo uma fúria insensata os voltava a possuir, e desatavam a correr outra vez, em todas as direcções, amontoando-se pelos cantos, disparando de novo, até que desapareceram da minha vista ao dobrar da esquina.

Só um jornal, mais pesado, não tinha ido atrás deles. Tinha ficado no chão, abrindo-se e fechando-se furiosamente, como se tivesse perdido o fôlego e procurasse respirar, convulsivamente.

Fiquei com uma impressão esquisita: e se a nossa vida fosse como aqueles bocados de papel? Não será um "vento" qualquer, invisível, misterioso, que nos empurra de um lado para outro, que comanda as nossas acções? Não seremos nós todos, afinal, uns ingénuos, quando pensamos possuir um qualquer pueril livre-arbítrio?

E se a vida que existe em nós mais não for que um inexplicável turbilhão de vento? Esse vento de que fala a Bíblia: «Sabes de onde vem, e para onde vai?»...Não nos acontece sonhar que mergulhamos na água e apanhamos peixes de prata, quando afinal apenas uma corrente de ar nos aflora a mão? "


Excerto de " O Golem ", de Gustav Meyrink, Trd. E. Leão Maia, Ed. Vega

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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