Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quinta-feira, 12 de março de 2009

" 5. Descobrimento do cabo Verde e primeiros negros escravizados na Guiné

Neste mesmo ano de 46, um tal Dinis Fernandes, movido pelas mercês que o infante concedia aos que descobriam, determinou partir com um navio e passar adiante de todos os mais que já tinham descoberto, e assim passou o rio Saiaga, aonde outros já haviam chegado, que fica junto ao cabo Verde, noventa léguas depois do cabo Branco, dividindo este rio a terra dos mouros azenegues e a dos primeiros negros da Guiné, chamados jalofos; viu por lá certas almadias ou barcos de um madeiro em que andavam certos negros a pescar; alcançou um desses barcos pela popa com o batel que levava, em que estavam quatro negros, e estes foram os primeiros que, apanhados ou assaltados pelos portugueses, para Portugal vieram; e conquanto o dito Dinis Fernandes tenha achado muito rasto e sinais de densas povoações, e pudesse, querendo, assaltar gente e fazer escravos, para agradar ao infante somente quis gastar o tempo descobrindo terra mais para diante; e, navegando, viu um assinalado cabo que se formava na terra e se estendia para o poente, ao qual chamou cabo Verde por lhe parecer apresentar não sei que aparências de verdura. Este é um dos nomeados cabos e terras que há naquela costa de África e da Guiné. E porque em redor do dito cabo acharam tempos contrários aos que traziam e os impediram de prosseguir, resolveu o capitão tornarem-se a Portugal; e chegando a uma ilhota, junto ao dito cabo Verde, ali mataram muitas cabras, que foram farto refrigério e ajuda para a volta. E segundo parece querer dizer João de Barros, no capítulo 9 do seu primeiro livro e primeira Década, este trouxe mais negros de quatro salteamentos, pois diz que este capitão a Portugal tornou com novas do achamento da terra que descobrira e com negros, não resgatados aos mouros como outros que já haviam trazido para o reino, mas sim tomados nas suas próprias terras; de maneira que devia trazer mais de quatro, ( e assim parece que não faziam destrinça entre os negros e os mouros, nem a fizeram em qualquer nação que encontraram; a todos roubavam e cativavam, porque não iam com outro fim que não fosse o seu próprio interesse e fazerem-se ricos à custa das angústias alheias e do sangue humano). Teve grande alegria o infante com as novas e a presa que Dinis Fernandes trouxe, e concedeu-lhe mercês; e dizem que nunca pensava dar muito, mas só pouco, por muito que desse aos que lhe traziam destas novas; e por mor destas mercês se animavam muitos do reino a ir e a lançarem-se a grandes trabalhos e perigos com estes descobrimentos, para servirem o infante.
Dizem que sempre mandava e admoestava que não fizessem nenhum agravo às gentes das terras que descobrissem, e que com paz e amor com elas tratassem, porém vemos que lindamente folgava com os assaltos e violências que faziam e com os muitos escravos que traziam roubados e os assaltos; destes ficava com uma quinta parte, concedendo mercês aos salteadores e tiranos, assim aprovando todos aqueles pecados; e por isso a sua boa intenção, que dizem que tinha, para desculpa do que ofendia pouco servia."

Capítulo IX da " Brevíssima relação da destruição de África ", de Bartolomé de Las Casas, estudo, edição e notas de Isacio Pérez Fernández, trd. Júlio Henriques, Ed. Antígona, 1996

Sem comentários:

Arquivo do blogue

Acerca de mim

" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

FEEDJIT Live Traffic Feed