Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Não acreditem neles*

" Esta crise não se percebe com a declaração (deleitada) do fracasso do "neolibelarismo" (quem sabe o que é precisamente o "neolibelarismo" (quem sabe o que é precisamente o "neoliberalismo"?), nem com vociferações, que já se tornam ridículas, sobre a irresponsabilidade e a "ganância" de Wall Street, da City e outros lugares de perdição. Talvez seja bom começar pelo que, de facto, aconteceu. A crise foi revelada pelo problema do subprime na América, ou seja, pelo excessivo crédito de risco à habitação, sem qualquer forma de garantia ou expectativa racional de pagamento. Mas não veio exclusivamente daí, nem por si mesmo o subprime explica o resto da história. O facto é que todo o crédito cresceu sem lógica ou limite, até ao ponto em que desde o Estado americano à grande banca (comercial ou de investimento) e a uma qualquer companhia de seguros pouco ilustre, o mundo inteiro ficou endividado.
Isto quer dizer duas coisas. Em primeiro lugar, que centenas de milhões de pessoas, na América, na Ásia e na Europa, se habituaram a viver para lá dos meios que tinham ou que podiam ter, pelo artifício simples de gastar o dinheiro que não era deles. E, em segundo lugar, que isto se passou com a cumplicidade e colaboração do Estado ( Estados, na verdade ), de instituições financeiras e de organismos reguladores de carácter nacional ou internacional. Aqui, por exemplo, há anos que se fala no endividamento da banca. Só que, tirando um ocasional "velho do Restelo" suficientemente ingénuo para ir à televisão arrancar os cabelos, não se fez nada.

A animosidade crescente contra os responsáveis pela catástrofe é, em parte, merecida. O cidadão comum não compreende a justiça subjacente ao caso. Quem rouba um automóvel ou uma bicicleta ( um delito certamente menor) marcha direitinho para a cadeia. Quem cria uma desordem financeira, sem precedente histórico, e contribui para o sofrimento de milhões, continua no gozo da sua importância e dos seus proventos. Sucede que as finanças são uma disciplina abstracta e, pior ainda, "irreal". Quem especula em Wall Street, na City, em Madrid ou Lisboa não vê a "realidade" arrumada e matemática, que obedece às suas próprias leis. E, quando essa 2realidade" se impõe como universal e única, o fim está próximo. Principalmente, se por oportunismo os políticos também perdem a cabeça e decidem acreditar na tribo da economia e dos "negócios".


* Crónica de Vasco Pulido Valente, Público de 10/10/2008

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