Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

sexta-feira, 20 de julho de 2007

" Agosto " - Rubem Braga

"Grupos compactos de pessoas começaram a sair do Colégio São José. Nem Climério nem Alcino, que cuidadosamente perscrutavam o rosto de todos, conseguiram divisar o jornalista Lacerda. Afinal as portas do colégio foram fechadas.
“Puta merda! O homem já tinha ido embora. Está vendo o que você fez?”
“Só recebi o recado às nove horas.”
“Vamos para a rua Tonelero, em Copacabana. É lá que o Corvo mora. Vamos ver se dessa vez damos sorte e pegamos o filho da puta”, disse Climério. Ele não podia voltar para Gregório e confessar mais um erro; tinha medo da reação do seu chefe.
“O edifício do home é aquele”, disse Climério, já na rua Tonelero.
Alcino saltou. Climério mandou Nelson estacionar logo adiante, na rua Paula Freitas, perto da esquina de Tonelero. “Espera aqui. Olho vivo.” Saltou e foi ao encontro de Alcino.
“O puto é capaz de já ter chegado”, disse Climério, “mas de qualquer maneira vamos esperar um pouco.”
Climério e Alcino ficaram conversando uns quinze minutos. Iam desistir de esperar quando um carro parou na porta do edifício do jornalista, quarenta minutos depois da meia-noite. De dentro saltaram três pessoas. Lacerda, seu filho Sérgio, de quinze anos, e o major Vaz, da Aeronáutica.
“É ele, você está vendo?”, disse Climério.
“O de óculos?”
“Claro que é o de óculos, porra! O outro é o milico capanga dele.”
Lacerda se despediu do major e caminhou com o filho para a porta da garagem do edifício. Vaz foi em direção ao carro. Alcino atravessou a rua e atirou em Lacerda, que correu para o interior da garagem. O estrondo do revólver ao disparar surpreendeu Alcino, que por instantes ficou sem saber o que fazer. Notou então que o major se aproximara e agarrava sua arma. Novamente Alcino acionou o gatilho. O major continuou agarrando o cano do revólver até que Alcino, num repelão, soltou a arma dos dedos que a prendiam, caindo com o esforço que fizera. Viu que o major caía também, para o outro lado. Alcino levantou-se e atirou novamente, sem direção. Ouviu estampidos de arma de fogo e fugiu para onde estava o táxi de Nelson. Um guarda surgiu, correndo e atirando, “Pare! É a polícia!”. Alcino atirou no guarda, que caiu. Entrou no carro, que estava com o motor ligado.
“E o Climério? Onde está o Climério?”, perguntou Nelson.
“Pensei que ele estivesse aqui. Vamos embora!”
Nelson arrancou com o carro. Ouviram ainda um disparo e o ruído de lataria do carro sendo rompida. Era o guarda, que atirara, mesmo caído e ferido.
Dentro do táxi de Nelson, que corria em alta velocidade pela avenida Copacabana, Alcino embrulhou o revólver e os seis cartuchos numa flanela amarela. Chegando ao Flamengo, Alcino disse a Nelson para seguir pela avenida Beira Mar, pois tinha instruções de Climério para se livrar da arma jogando-a ao mar. Sua intenção era fazer isso sem sair do carro.
Na altura da rua México, Alcino colocou o braço para fora, segurando o embrulho com o revólver, preparando-se para arremessá-lo ao mar, por sob a amurada do passeio da avenida. Ele não queria ficar mais tempo com aquela arma em seu poder. Inesperadamente, Nelson fez uma manobra para se livrar de um carro que vinha na contramão, assustando Alcino que largou o embrulho de flanela com o revólver.
“Deixei cair o revólver”, gritou Alcino.
Nelson parou o carro. “Vai lá apanhar.”
Alcino colocou a cabeça para fora da janela e olhou para o asfalto escuro da avenida. As luzes de um carro brilharam ao longe.
“Quem achar essa merda não vai entregar para a polícia. Um 45 vale muito dinheiro.” "

Excerto de " Agosto ", de Rubem Braga

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