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domingo, 11 de outubro de 2009

Leituras de domingo(1)

«...A "obamania" é um triste sinal de que o Ocidente perdeu qualquer espécie de faculdade crítica. A palavra e o gesto bastam para lhe esconder o que se passa no mundo. Como se uma grande potência pudesse de repente mudar com uma criatura simpática e uma pequena dose de persuasão e boa vontade.
Para começar alguns factos: Guantánamo não fechou; a prática de sequestrar putativos terroristas (eufemisticamente denominada "extraordinary rendition") em países "terceiros" não acabou; e não acabou também a prática de prender suspeitos de terrorismo, dentro e fora da América, e de os tratar como "no campo de batalha". Pior ainda, Obama não quis condenar, nem investigar os crimes de Bush, nomeadamente a tortura; só prometeu, nos casos mais benignos, tribunais militares (regidos, como é evidente, por lei especial) e sobretudo não limitou ou diminuiu a secrecidade e o arbítrio do Estado segurança. Isto quanto aos celebrados direitos do homem e à convivência amigável entre a América e o islão, em que ele proclama acreditar.»

Vasco Pulido Valente, Público de 11/10/2009


« A confissão feita sob tortura não era válida se não fosse ratificada sem tortura, e noutro lugar, donde não se pudesse ver o horrível instrumento, e não no mesmo dia. Eram descobertas da ciência, para tornar, se tal fosse possível, espontânea uma confiança forçada, e satisfazer ao mesmo tempo o bom senso, o qual dizia dizia claramente que a palavra extorquida pela dor não pode merecer fé, e a lei romana que consagrava a tortura. Aliás a razão dessas precauções, iam buscá-la os intérpretes à própria lei, ou seja a estas estranhas palavras: «A tortura é coisa frágil e perigosa e sujeita a enganar; visto que muitos, por força de ânimo ou de corpo, sofrem tão pouco com os tormentos que não se pode, com tal meio, obter deles a verdade; outros são tão intolerantes à dor que dizem qualquer falsidade, em vez de suportarem os tormentos.» Digo: estranhas palavras, numa lei que mantinha a tortura; e para se compreender por que motivo não se extraía outra consequência senão que «nos tormentos não se deve acreditar sempre», temos de recordar que aquela lei havia sido feita na sua origem para os escravos, os quais, na abjecção e na perversidade do gentilismo, puderam ser considerados como coisas e não como pessoas, e sobre os quais se julgava por isso ser lícita qualquer experiência, a ponto de serem torturados para se descobrir os crimes de outros. Novos interesses de novos legisladores fizeram-na depois aplicar-se também às pessoas livres; e a força da autoridade fê-la durar muitos mais séculos que o gentilismo: exemplo nada raro, mas notável, de como uma lei, depois de estabelecida, pode prolongar-se e expandir-se para além do seu princípio, e sobreviver-lhe.»


Excerto de " História da Coluna Infame ", de Alessandro Manzoni, Trd. José Colaço Barreiros, Ed. Assírio & Alvim, 1991

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