Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

terça-feira, 21 de abril de 2009

«Via-me com trinta anos, segundo o mundo, virtuosa, rica, considerada e, contudo, perfeitamente infeliz. Então apresentou-se-me este pobre homem, que era a própria bondade, mas também a inépcia em pessoa. A sua inépcia fez com que suportasse as suas primeiras propostas. A minha alma era tão infeliz por tudo o que me rodeava desde a tua partida, que já não tinha força para resistir à mais pequena tentação. Ter-te-ei confessado uma coisa bem indecente? Mas penso que tudo é permitido a uma morta. Quando tu leres estas linhas, os vermes devorarão estas pretensas belezas que apenas deveriam ter sido para ti. Por fim, é necessário confessar isto que me causa desgosto; não via porque não deveria tentar o amor bestial, como todas as nossas damas romanas; tive um pensamento de libertinagem, mas nunca me pude dar a este homem sem experimentar um sentimento de horror e de desgosto que aniquilava qualquer prazer. Via-te sempre a meu lado, no nosso jardim do palácio de Albano, quando a Madona te inspirou esse pensamento, na aparência generoso, mas que, contudo, após a intervenção da minha mãe, fez a infelicidade das nossas vidas. De modo algum eras ameaçante, mas doce e bom como sempre foste; olhavas-me; então sentia momentos de cólera por este outro homem e chegava ao ponto de lhe bater com todas as minhas forças. Eis toda a verdade, meu querido Jules: não queria morrer sem te a dizer, e também pensava que este diálogo contigo me afastaria a ideia de morrer. Melhor do que ela só teria sido a minha alegria em voltar a ver-te, se me tivesse conservado digna de ti. Exijo-te que vivas e que continues essa carreira militar que me causou tanta alegria quando soube dos teus êxitos. O que teria sucedido, meu Deus!, se tivesse recebido as tuas cartas, sobretudo após a batalha de Achenne! Vive e relembra frequentemente a memória de Ranuce, assassinado nos Ciampi, e a de Hélène que, para não ver uma censura nos teus olhos, morreu em Santa Marta.»


1) Excerto de " A Abadessa de Castro ", de Stendhal, Trd. Dalila Ferreira e José Manuel Cortês, Ed. Teorema, 1997

2)"Alma Redemptoris mater " de Giovanni Pierluigi da Palestrina(1525-1594) pelo Monteverdi Choir dirigido por John Eliot Gardiner

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