« Sinto-me bem nesta cadeia. É um belo edifício claro, em pavilhões de dois andares, isolados no meio duma grande cerca arborizada, que um alto muro separa, julgo eu, de caminhos e terras cultivadas. Nenhum rumor chega de fora. Às vezes, vou até junto desse muro, que a hera muito densa envolve de poesia, e, numa sombra repousante e fresca, abandono-me a ouvir os pequenos murmúrios da terra e do ar - uma folha que tomba, um pássaro que tila, um insecto que zumbe, um gorgolejo de água - e assim levo muitas horas do meu dia, meditando e escrevendo, como os frades antigos, até que um toque de sineta me venha chamar para a comida ou para o recolher.
Tudo me parece raro, novo e extraordinário. Só agora descubro o oculto sentido de muitas coisas - e mais pela emoção que me provocam do que pelos juízos que formulo. Assim, depois dos meus erros e crimes, pergunto a mim mesmo se será legítimo viver com tanta calma e despreocupação: um criminoso não deveria ter dores, ser torturado? A punição é apenas isto?
Sim, tenho há muito a impressão de que vivo num sonho. A vida corre com uma serenidade impressionante. Penso quanto, noutro tempo, eram felizes os homens a quem se concedia o direito de fugir, como eu fugi, afinal, à vida angustiosa do mundo. Quase me julgo feliz. E porque não?
A cadeia não é como eu supunha, nem o que se diz lá fora. Nada nos falta, tratam-nos bem, embora vivamos numa quase completa solidão. Isto a mim agrada-me, de resto: aborreço o convívio dos homens. Só na aparência os considero meus semelhantes. Aqui, sou apenas um número: o 28.»
Excerto, ler aqui pp. 19 a 27.
Tudo me parece raro, novo e extraordinário. Só agora descubro o oculto sentido de muitas coisas - e mais pela emoção que me provocam do que pelos juízos que formulo. Assim, depois dos meus erros e crimes, pergunto a mim mesmo se será legítimo viver com tanta calma e despreocupação: um criminoso não deveria ter dores, ser torturado? A punição é apenas isto?
Sim, tenho há muito a impressão de que vivo num sonho. A vida corre com uma serenidade impressionante. Penso quanto, noutro tempo, eram felizes os homens a quem se concedia o direito de fugir, como eu fugi, afinal, à vida angustiosa do mundo. Quase me julgo feliz. E porque não?
A cadeia não é como eu supunha, nem o que se diz lá fora. Nada nos falta, tratam-nos bem, embora vivamos numa quase completa solidão. Isto a mim agrada-me, de resto: aborreço o convívio dos homens. Só na aparência os considero meus semelhantes. Aqui, sou apenas um número: o 28.»
Excerto, ler aqui pp. 19 a 27.
1 comentário:
Boa Páscoa!
Comentei no branco as fotografias da lua
rsrsrs
:)))
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