Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009


" Mas aquelas duas crianças conseguiriam ou não alcançar ao menos a última carruagem do comboio? Ivanov debruçou-se da carruagem e olhou para trás.


As duas crianças, de mãos dadas, continuavam a correr em direcção à passagem de nível. Caíram as duas ao mesmo tempo, levantaram-se e continuaram a correr. A mais crescida levantou o braço e, voltando o rosto no sentido da marcha do comboio, acenou como quem chama alguém e lhe pede que volte. E então caíram de novo. Ivanov reparou que a criança mais crescida tinha um pé calçado com uma bota de feltro e o outro com uma galocha de borracha - e era por isso que caía tantas vezes.


Ivanov fechou os olhos, não querendo ver nem sentir a dor das crianças exaustas caídas no chão, e de repente sentiu um calor dentro do peito, como se o coração, encerrado e ansioso dentro dele, estivesse a bater há muito e em vão durante toda a sua vida, e só agora começasse a bater em liberdade, enchendo todo o seu ser de calor e de frémito. De repente reconheceu tudo aquilo que já conhecia antes, com muito mais precisão e autenticidade. Dantes sentia a vida através da barreira do amor-próprio e do seu próprio interesse, e agora de súbito tocava-a de coração descoberto.


Do estribo da carruagem olhou uma vez mais na direcção da cauda do comboio, para as crianças distantes. Agora já sabia que eram os seus filhos, Petruchka e Nástia. Certamente tinham-no visto quando a carruagem atravessava a passagem de nível, e Petruchka chamava-o para casa, para junto da mãe, e ele não lhe prestara atenção, pensava noutra coisa e não reconhecera os seus próprios filhos.


Agora Petruchka e Nástia corriam atrás do comboio, longe, pelo caminho de areia ao lado da linha; continuava a segurar a mão da pequena Nástia, arrastando-a quando ela não conseguia acompanhá-lo na corrida.


Ivanov atirou o saco para o chão, depois desceu para o último degrau e saltou do comboio para o caminho de areia por onde os seus filhos corriam atrás dele."




Excerto do conto " O regresso ", de Andrei Platónov, Trd. António Pescada

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