Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

sexta-feira, 27 de julho de 2007

" O livro do Riso e do Esquecimento " - Milan Kundera

" Sim, pode dizer-se o que se quiser, os comunistas eram mais inteligentes. Tinham um programa grandioso. O plano de um mundo completamente novo em que todos encontrariam um lugar. Os que eram contra eles não tinham grande ideal, só alguns princípios morais usados e fastidiosos, que pretendiam utilizar para remendar os calções rotos da ordem estabelecida. Não é, portanto, surpreendente que esses entusiastas, esses corajosos, tenham triunfado facilmente sobre os timoratos e prudentes, e que bem depressa tenham começado a realizar o sonho, esses idílio de justiça para todos.
Sublinho novamente: o idílio e para todos, porque todos os seres humanos aspiram desde sempre ao idílio, a esse jardim em que cantam os rouxinóis, a esses reino de harmonia em que o mundo não se ergue como estranho contra o homem e o homem contra os outros homens, mas em que o mundo e todos os homens estão, pelo contrário, amalgamados na mesma e única matéria. Aí, cada um é uma nota de uma sublime fuga de Bach, e aquele que não quiser sê-lo passa a ponto negro inútil e privado de sentido, que basta agarrar e esmagar sob a unha como uma pulga.
Algumas pessoas perceberam imediatamente que não tinham um temperamento adequado ao idílio, e tentaram partir para o estrangeiro. Mas como o idílio é por essência um mundo para todos, os que queriam partir revelavam-se como a negação do idílio, e em vez de irem para o estrangeiro iam para a cadeia. Outros depressa seguiram o mesmo caminho; entre eles, diversos comunistas, como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Clementis, que tinha emprestado o gorro em pele a Gottwald. Nos ecrãs dos cinemas, apaixonados tímidos davam as mãos, o adultério era severamente reprimido pelos tribunais de honra formados por simples cidadãos, os rouxinóis cantavam e o corpo de Clementis balouçava como um sino a tocar a nova manhã da humanidade. "

Excerto de " O Livro do Riso e do Esquecimento ", Milan Kundera, Trd. Tereza Coelho, Ed. Círculo de Leitores

Organ BWV 565 -Tocata e Fuga de J.S. Bach

1 comentário:

spring disse...

olá!
embora milan kundera já não seja um autor da "moda" os seus livros permancem na memória do território literário, "A Imortalidade" é o nosso favorito.
um abraço e bom fim-de-semana
paula e rui lima

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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