Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

segunda-feira, 23 de julho de 2007

A união desfaz a força

23/07/2007

O diretor Wim Wenders, que estranhamente não consegue fazer um filme decente desde 1984 (sim, falo de "Paris, Texas"), encontrou a chave para a crise da Europa. A chave, de acordo com o próprio Wenders em artigo para o caderno Mais!, já não passa pela política porque os europeus estão cansados dos políticos. Para Wenders, só a cultura pode dar alma à Europa. A cultura da Europa, acrescenta o alemão, surge marcada por uma gloriosa diversidade expressiva. E é essa diversidade que acabará por salvar a unidade do "projeto europeu".


A ideia de Wenders é simpática. Mas, com todo o respeito pela insensatez do homem, eu não vejo como é possível fortalecer a unidade da Europa quando, precisamente, a cultura européia é a imagem da sua diversidade. Esse, aliás, tem sido o problema recorrente do "projeto europeu": acreditar que a diversidade histórica, e cultural, e artística, pode ser uniformizada num documento constitucional comum, como se os europeus, e os estados europeus, não fossem pequenos universos distintos, com identidades distintas e séculos de história por trás.


Wenders propõe reforçar ainda mais essa diferença cultural para mostrar o que nos une. Curiosamente, não parece passar pela cabeça do diretor que o resultado talvez seja o oposto: mostrar aquilo que nos desune e que qualquer manual de História da Arte comprova sem grande esforço.


Arte européia? Não existe. E mesmo no interior de cada país, a diferença impede qualquer generalização apressada. Não existem catedrais góticas ou pinturas renascentistas. O gótico espanhol é distinto do gótico inglês. E, mesmo dentro do primeiro, o gótico leonino (e mais clássico) é distinto da exuberância do gótico andaluz e sevilhano. Para não falar do português, ou do alemão. Ou das diferenças regionais no interior de Portugal ou da Alemanha.


Não existe pintura do Renascimento. Existem pintores, como Mantegna ou Bellini, ambos italianos e ambos distintos do francês Jean Fouquet, a trabalhar na mesma altura. E se falamos da modernidade artística, e até cinematográfica, não sei que espécie de unidade pode promover a diversidade do cinema de Almodóvar, de Bergman ou do próprio Wenders.


A proposta de Wim Wenders toca no ponto, mas de forma errada: a Europa apresenta uma secular diversidade cultural e é precisamente essa diversidade que impede as fantasias correntes de unidade política "federal". Acreditar que a realidade salva a fantasia é, no fundo, não entender coisa nenhuma sobre ambas.


João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha de S.Paulo. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista"(Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

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