Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Ópera

Ontem, na sua coluna do Diário de Notícias, escrevendo sobre direito de escolha, João Miranda afirma:«[...] Considere-se o exemplo da ópera. A ópera é um espectáculo sujeito às regras da escassez que, por ser especialmente caro e especialmente desinteressante, acaba por ser uma actividade residual. Claro que o direito negativo à escolha está garantido. Ninguém é impedido de ir à ópera. O problema, para a pequena minoria que gosta de ópera, é que em condições normais a procura não é suficiente para justificar espectáculos regulares de ópera. Se dependesse do mercado, essa pequena minoria ficaria sem o seu direito positivo à ópera. [...] Quando o Estado cobra impostos às pessoas que detestam ópera para pagar espectáculos às que gostam, prejudica as primeiras de duas formas. [...] Os subsídios à ópera são um caso particularmente perverso de intervenção estatal. O objectivo declarado dos subsídios é criar escolhas de modo a que ninguém possa ficar impedido de ir à ópera por razões económicas. No entanto, dado que a ópera é tendencialmente uma actividade que interessa muito mais aos ricos que aos pobres, existe uma grande probabilidade de serem os que têm menos escolhas a financiar os que têm mais escolhas.»Acompanho o raciocínio, mas não subscrevo. É que eu gosto de ópera. [Estou neste preciso momento a ouvir a Callas em L’altra notte in fondo al mare, do Mefistofele de Boito.] Perversão por perversão, a indústria do futebol não existiria nos moldes em que existe sem as mãos largas (e o conúbio político) do Estado. Ser para uma larga maioria não justifica tudo. Haverá sempre uma minoria lesada. O problema não está nos subsídios. Está no seu uso deficiente. O Estado devia ter a obrigação de promover a educação musical desde o ensino básico. E sobretudo devia obrigar o Teatro Nacional de Ópera, através de exigência contratual expressa (e não tácita), a promover récitas paralelas em recintos que permitissem preços acessíveis à maioria das pessoas, como aliás se fez até ao início dos anos 1980, fosse nos Coliseus de Lisboa e do Porto, no grande auditório do Centro Cultural de Belém ou no Pavilhão Atlântico. As pessoas “não gostam” porque não ouvem. E não ouvem por uma série de razões (e preconceitos) que o Estado podia e devia ajudar a ultrapassar. O americano médio, como o inglês ou o francês médios, não é mais culto que o português médio. Então por que carga de água as temporadas de ópera de Nova Iorque, Londres (ambas sem um cêntimo estatal) e Paris estão sempre esgotadas?
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posted by Eduardo Pitta at 12:55 PM

1 comentário:

i disse...

Uma iniciativa admirável da ópera parisiense é distribuir a cinco euros os ingressos de cem, até duzentos, que não se vendem. Enche, os estudantes comparecem, e depois, quando ficam ricos, continuam freqüentando!

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