Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

domingo, 27 de dezembro de 2009

Portugal presente

« Descemos à areia. Com esta luz oblíqua, parece uma grande laje. As rochas estão cor de mel, o mar está manso, um homem desce de galochas, com um balde, a igreja toca as quatro. É Nossa Senhora dos Navegantes.
Pisamos carcaças de mexilhões, milhares, para chegar ao pontão. Ruben fala dos naufrágios que têm matado gente, até na rua dele, até na família. Nisso, 2009 foi piedoso.
"Antigamente, Caxinas era um povo unido, um pouco isolado do mundo, mas agora já não."Para o bem e para mal? "Sim, é verdade, tem sido fragilizada tanto pelo desemprego como pela vida do mar." Ruben assenta os ténis nos limos do pontão e olha firme para a câmara fotográfica, camisa branca impecavelmente passada, cachecol de lã cinzenta, computador portátil debaixo do braço. Foi assim que chegou junto a nós este oitavo filho de um pescador de Caxinas.
"Tenho cinco irmãos e duas irmãs, mas hoje em dia as pessoas optam por ter um filho, dois no máximo."
A areia está cheia de patas de gaivota no sentido da Póvoa de Varzim. "Caxinas tem uma coisa boa, que é estar entre duas cidades grandes que se estão a desenvolver." Mas basta ficarmos voltados para o mar e é como se não houvesse cidade. Não se houve nada.
Voltando à marginal, os velhos continuam a jogar no seu abrigo de vidro. Olhando melhor também há vários homens jovens ou de meia-idade. Desempregados, numa segunda-feira à tarde.»



Excerto da reportagem " 2009 O pior ano da vida deles ", de Alexandra Lucas Coelho, Pública, 27/12/2009

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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