Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

domingo, 18 de outubro de 2009

Auto-de-fé


« Após o tremor de terra que destruira três quartos de Lisboa os sábios do país cogitaram em que o meio mais eficaz para prevenir a ruína total da cidade consistia em dar ao povo um rico auto-de-fé. Fôra decidido pela Universidade de Coimbra que o espetáculo de várias pessoas queimadas a fogo lento, com grande cerimonial, era um feitiço infalível para impedira terra de tremer.
Por consequência agarraram num biscaínho, criminoso de casamento com a comadre, e em dois portugueses que, ao comerem um frango, tinham posto de parte o toucinho. Depois do jantar amarraram o doutor Pangloss e o seu discípulo Cândido, um por ter falado demais, o outro por ter escutado com ares de aplauso. Ambos foram conduzidos em separado para compartimentos de extrema friagem, nos quais o sol nunca incomodava ninguém. Oito dias passados ambos foram foram revestidos de sambenitos e adornaram-lhes as cabeças com mitras em papel. A mitra e o sambenito de Cândido traziam uma pintura de chamas erguidas, e no meio de vários diabos sem cauda nem garras. Sairam em procissão assim vestidos, ouvindo ao mesmo tempo um sermão intensamente patético, e acompanhados de uma bela música em falsête baixo. Cândido foi açoitado ao ritmo da música e do cântico; o biscaínho e os dois homens que não comiam toucinho foram queimados, e Pangloss foi enforcado, contrariamente ao que se esperava. Mas no mesmo dia a terra voltou a tremer com um fragor espantoso.»
" Cândido ", de Voltaire, Trd. de Maria Archer

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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