Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

sábado, 5 de setembro de 2009

« Pensou na mãe. Nunca mais deixaria que ela o beijasse. Lembrou-se de que ela costumava dizer-lhe que neste mundo todos eram bons, porque tinham alma e a alma era inteiramente boa; o mal vinha sempre do exterior. E disso também ele estivera sempre convencido, mesmo até meses depois de ter casado com Miriam e de querer matar-lhe o amante. Nisso acreditava ainda, quando ia no comboio a ler Platão. Mas agora parecia-lhe que o amor e o ódio, o bem e o mal viviam lado a lado no coração humano e que não havia diferença de um homem para outro. Em todos se encontrava bondade e maldade. Bastava observá-los com um pouco de atenção, raspar à superfície. Todas as coisas tinham direito e avesso. Para cada animal, havia outro que o destruía; o macho, a fêmea; o positivo, o negativo. A descarga atómica era a única destruição verdadeira, a transgressão da lei universal da unidade. Não podia existir nada em que não houvesse antagonismo. Podia acaso existir espaço num edifício, sem objectos que o limitassem? E energia sem matéria, ou matéria sem energia? Matéria e energia, o inerte e o activo, dantes considerados opostos, sabia-se agora que eram uma e a mesma coisa. »


Excerto de " O Desconhecido do Norte-Expresso "(Strangers on a Train-1950) de Patricia Highsmith, Trd. Elisa Lopes Ribeiro, colecção 9 mm, Ed. Público, 2005

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