Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

segunda-feira, 6 de julho de 2009


«Em tempos, o lavrador do Douro era alguém muito especial,que não precisava de ter uma psicologia, bastava significar um cargo dentro de um território. A Marca era esse território, e dentro dele tudo se passava sem muitas surpresas; interessado nas obrigações, o lavrador era uma espécie de místico que a filoxera estremeceu, mas que sobrevive ainda numa certa alegoria onde lampeja o espírito rácico. Talvez isto aconteça com todos os territórios e as suas populações e os seus clãs; mas no Douro é particularmente evidente essa convulsão de opiniões que expulsam tudo o que não se refere aos seus costumes e à sua organização modelada pelo clima, a sedentariedade, a minúcia de uma cultura e o método que repudia transformações e crescimento. Diferente do que pensam os economistas, uma área produtiva não se destina apenas a ser rentável; sobretudo é uma área onde a vida se condensa e se transmite. Representa uma condição histórica que se reflecte e se repercute, pondo a tónica principal, não no lucro, mas sobretudo na circulação da energia, que implica o lucro também, mas que acentua a persuasão da inteligência, do investimento moral. Pode acontecer que, mercê de uma imobilidade sentimental, mais do que motivada por carência material, um território se degrade e a crise se instale irremediavelmente. O perigo de uma civilização local é o de ela se tornar incomunicável; com o Douro, com o Nordeste Transmontano, com o País inteiro talvez, passa-se isto: ama a sua anexão ao hábito, á energia que não dinamiza e que se circunscreve a uma intriga momentânea e suburbana. Nada mais, tudo se converte em rotina. E, com ela, procede-se à sensibilidade barroca, ao apanágio do pormenor, ao retraimento cívico em favor da gesta privada. Enquanto se degusta a passividade, cai-se no arcaico. E a pessoa provincial dificilmente se recupera para universalidade da esperança, ficando-se no diálogo com os mortos e o colóquio com os antepassados, elevados à qualidade de monitores pelo conforto que a sua distância ministra.»

Excerto de " Os meninos de ouro ", de Agustina Bessa Luís, Ed. Guimarães Editores, 7ªEdição, 1987

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