" Mas eis que, no Inverno de 1918, a Cidade conheceu uma vida estranha, contrária à natureza, uma vida que, provavelmente, ficaria sem par nos anais do século XX. Todas as casas se encheram, a abarrotar. Os habitantes antigos e tradicionais apertavam-se cada vez mais, para acolher, de bom ou mau grado, os recém-chegados à Cidade. E estes vinham, precisamente, pela ponte esguia como uma flecha, vinham das regiões longínquas donde subiam misteriosas nuvens de fumo azulado.
Chegavam banqueiros em fuga, de cabelos grisalhos e acompanhados por mulheres; sensatos homens de negócios, que tinham deixado em Moscovo procuradores encarregados de estabelecer relações com o novo mundo prestes a nascer no império moscovita; proprietários que, secretamente, haviam confiado os seus imóveis a administradores fiéis; industriais, comerciantes, advogados e políticos. Chegavam, também, jornalistas de Moscovo e Sampetersburgo, almas vendidas, gananciosas e cobardes; cortesãs e mulheres honestas; famílias aristocráticas, cujas filhas puras se misturavam com as pálidas debochadas de Sampetersburgo, de lábios avivados a carmim; secretários de directores de gabinete e jovens pederastas passivos; príncipes e sovinas, poetas e usurários; polícias e actrizes dos teatros imperiais... Em suma, uma multidão que se esgueirava por todas as fendas e convergia para a Cidade."
Excerto de " A Guarda Branca ", de Mikhaïl Bulgakov, Trd. do francês por Fernanda Pinto Rodrigues, Ed. Pórtico, 1970
Revolução Russa, ver aqui na Wikipédia.
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