Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Os projécteis pesados

As únicas ilusões são sobre os mortos. Julgas que eles são melhores do que realmente são.
A vida é uma só - obter dinheiro ou reputação e filhos para justificar perante os outros o facto de não te atirares de um prédio abaixo - e a morte faz parte dos vivos, é a 2ª parte como nos filmes. Não penses que os mortos são anjos.
Nem as crianças o são. E por que fazem estas coisas? Fechou duas crianças numa casa e durante três semanas só lhes deu água. Vimos imagens. As crianças quase não tinham nádegas. Já viste crianças assim?
A minha mulher repetia: Por que fazem isto?
Eu lia um livro e não queria ver, mudei de canal.
Leio: «Cerca de 500 a.C os Gregos e os Cartagineses utilizavam máquinas para o lançamento de projécteis pesados».
Na verdade, utilizar-se máquinas para o lançamento de projécteis pesados é bom, como o coração, que é pesado, demasiado pesado, e, em alguns momentos, como era bom atirá-lo para longe. Bem satisfeitos ficaríamos, sem coração, com um buraco no sítio do peso, como em algumas esculturas de santos e de Cristo, com uma gaveta no lugar do coração. Gaveta na qual os velhos guardam jóias de família. Usura e caridade no mesmo espaço para poupar metro quadrado, assim é que é.
A catapulta tem um braço de lançamento que termina numa concha exactamente como uma colher. E é na colher que ponho o coração. Como diz no livro:
«A força propulsora da catapulta resultava da elasticidade das cordas torcidas à volta do extremo do braço de lançamento.»
O projéctil é enviado para longe, como se pretende, quando o braço de lançamento embate numa trave que o pára, obrigando-o, assim, a expulsar o que antes segurava. Se não existir algo que trave o braço, o braço anda à volta, em círculos e círculos, e tudo se repete, e nada se expulsa.
Para mandar para longe alguma coisa é necessário primeiro segurar com força nessa coisa, depois efectuar um movimento rápido com o braço, e por último travar subitamente e projectar o pulso para a frente. É assim que as prostitutas expulsam o coração quando com a boca pintada de bâton chupam o pénis do velho que não conhecem, e a cama tem molas que emitem ruídos (guinchos)ao mesmo tempo que a prostituta chupa o pénis do velho que está sentado e espera, e é assim que a catapulta funciona.
Nos rapazes e raparigas com desgostos amorosos e que são cumprimentados na rua também se usa a mesma técnica, já conhecida dos antigos: uma máquina de guerra. Atirar o coração para longe. A catapulta.
E nos que sobrevivem ao adultério também.

Conto de Gonçalo M.Tavares, incluído no livro "água, cão, cavalo, cabeça", Ed. Caminho

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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