Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A lenda do fogueteiro

" - Isso faz-me lembrar, Victor, a lenda do fogueteiro, que ouvi em Portugal.
- Conta.
- Sabes que em Portugal os fogos de artifício, a pirotécnia, é uma verdadeira arte. Quem não viu fogos de artifício em Portugal não sabe nada do que se pode fazer nesta matéria. E que colecção, Deus meu!
- Venha a lenda...
- Já lá vou! O caso é que havia numa aldeia portuguesa um pirotécnico, o fogueteiro, que tinha uma mulher formosíssima que era o seu consolo, o seu encanto e o seu orgulho. Estava loucamente apaixonado por ela e mais ainda orgulhoso. Gostava de fazer inveja, por assim dizer, aos outros mortais e passeava-a consigo como que a dizer-lhes: «Vedes esta mulher?, agrada-vos?Sim,hein?, pois é minha, só minha!, e vão-se lixar!». Não fazia senão gabar as excelências da formosura da mulher, e até pretendia que ela era a inspiradora das suas mais belas produções pirotécnicas, a musa dos seus fogos-de-artifício. Até que um dia, ao preparar alguns destes, enquanto estava, como de costume, a sua formosa mulher a seu lado para o inspirar, se lhe pega o fogo à pólvora, há uma explosão e têm de tirar marido e mulher desmaiados e com gravíssimas queimaduras. A mulher queimou-se numa boa parte da cara e do peito, de tal maneira que ficou horrivelmente desfigurada; mas ele, o fogueteiro, teve a sorte de ficar cego e não ver a desfiguração da mulher. E depois disto continuava orgulhoso da beleza da sua mulher, gabando-a a todos e caminhando ao lado dela, convertida agora em sua moça de cego, com o mesmo ar e porte de arrogante desafio que antes. «Já viram mulher mais formosa?», perguntava, e todos, sabedores da história, se compadeciam do pobre fogueteiro e lhe gabavam a formosura da mulher. "


Excerto de " Névoa ", de Miguel de Unamuno, Trd. Manuela Agostinho,Ed. Vega


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