Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

terça-feira, 2 de outubro de 2007

" O fardo do amor " - Ian Mcewan

Epitaph - King Crimson

" Tive uma sensação familiar de frustração. Ninguém estava de acordo sobre nada. Vivíamos numa neblina de percepções semipartilhadas e inexactas e os dados que os nossos sentidos transmitiam vinham envoltos por um prisma de desejo e convicção que toldava também as nossas recordações. Víamos e recordávamos a nosso próprio favor ao mesmo tempo que nos convencíamos. A objectividade implacável, sobretudo em relação a nós próprios, era uma estratégia social sempre condenada Descendemos dos contadores indignos e apaixonados de meias verdades que para convencerem os outros se convenciam simultaneamente a si próprios. As sucessivas gerações têm sido seleccionadas pelo sucesso, e atrás deste veio o nosso defeito, profundamente enraizado nos genes, como os sulcos no trilho de uma carroça - quando não nos serve, não estamos de acordo em relação àquilo que está à frente dos nossos olhos. Crer é ver. É por isso que há divórcios, disputas fronteiriças e guerras, e é por isso que a imagem da Virgem Maria está a chorar sangue e a estátua de Ganesh a beber leite. E é por isso que a metafísica e a ciência foram cometimentos tão grandiosos, invenções tão admiráveis, maiores do que a agricultura, artefactos humanos contrapostos ao cerne da natureza humana. A verdade desinteressada. Mas não podia salvar-nos de nós próprios, as raízes eram demasiado profundas. Não podia haver qualquer espécie de redenção na objectividade. "

Excerto de " O fardo do amor ", de Ian Mcewan, trd. Maria do Carmo Figueira, Ed. Gradiva,2005

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