Luís António Cardoso da Fonseca Mail: luiscardosofonseca@hotmail.com

domingo, 15 de junho de 2008

Por isso os nossos pais deixaram as aldeias!

Fotografia antiga da aldeia de Beirós(Felgueiras-Resende)

" Às vezes vêm chamar-me clientes das aldeias. Temo-os. No fundo das suas casas, naqueles sombrios casarões ou casebres das aldeias, é muito fácil o médico perder-se. E a doença pode-se por lá esconder tão bem! Além disso, há tantos sítios vulneráveis nas casas das aldeias, esses currais isolados, esses desvãos, essas cavalariças desprovidas de animais.
Já tive doentes, dos que fui ver à aldeia, que de dia estavam bem, inteiramente bem; mas de noite parecia que a doença saltava por cima das cercas do curral.
Ainda um dia hei-de abordar com este título um estudo desses casos terríveis, fatais, muito semelhantes aos das árvores. Esses homens das aldeias são muitas vezes mortos por terríveis pores-do-sol, que caem sobre o tédio das suas ruas sem ser observados por ninguém.
Há nas aldeias muitos homens doentes por contágio até das coisas que já estão podres: imagens, bancos, tachos de ferro, alguidares de barro, baús, etc. Os cancerosos da laringe que por lá há devem-se a essa ânsia de toda a aldeia cantar os misereres da Semana Santa diante de livros velhos, amarelecidos, insanos.
E no meio destes peculiares doentes das aldeias, que muitas vezes a solidão da natureza acaba por matar, há velhos e velhas que se curam, não porque bebam um leite especial, nem graças ao ar saudável, mas porque se escondem, porque à hora em que todos os relógios batem as sete da tarde, à hora inspectora que assinala e toma nota dos que hão-de ser os defuntos do dia, eles estão misteriosamente metidos num canto, em quartos onde nem réstea de sol se enxerga e onde juraríamos que não está ninguém."

Capítulo " Os das aldeias", de " O Médico inverosímil", de Ramón Gómez de la Serna, Trd. Júlio Henriques

1 comentário:

Tinta Azul disse...

Comovi-me com esta fotografia.
Que relíquias bem guardadas por aqui há.
:)

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" Muitas vezes, meu caro senhor, as aparências iludem, e quanto a pronunciar uma sentença sobre uma pessoa, o melhor é deixar que seja ela o seu próprio juiz. " Robert Walser

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